DALGADO, Sebastião Rodolfo (1855, Assagão – 1922, Lisboa), monsenhor (1884) sacerdote, missionário, orientalista, linguista.

Oriundo de uma distinta família brahmin que deteve, durante várias gerações, um posto de distinção e privilégio na economia da aldeia onde nasceu. O significativo cognome da sua família, “Desai”, foi alterado para o português Dalgado, dado que desde o séc. XVI que Padroado português da Índia ocidental quis eliminar da região os vestígios das antigas linhagens e tradições.
Demonstrando desde cedo uma vocação sacerdotal, ingressou no Colégio de Estudos Eclesiásticos de Rachol (em Salsete, Goa), onde aprendeu Inglês, Francês e Latim, tendo sido ordenado padre em 1881. Pouco depois partiu para Roma, onde adquiriu o grau de doutor em Direito Canónico e em Direito Romano na Universidade de Santo Apolinário, tendo completado ainda a licenciatura em Teologia, durante a qual aprendeu Grego e Hebraico. O seu brilhantismo e distinção académicos fizeram com que, em 11 de Outubro de 1884 (com 29 anos), o Papa Leão XIII o nomeasse seu Capelão Honorário e lhe outorgasse o título de “Monsenhor”. Como era do interesse do Papa melhorar o estado do clero indiano, foi por sua sugestão que o agora Monsenhor Dalgado deveria regressar à Índia. De Roma foi para Lisboa, onde por ordem governamental, a 19 de Novembro de 1884, foi nomeado missionário da Coroa portuguesa na Índia. Regressou ao subcontinente em Abril de 1885, onde ocupou, sucessivamente e em diversas regiões (Ceilão, Calcutá, etc.), vários cargos eclesiásticos e de docência, que lhe permitiram o contacto com diferentes idiomas e culturas da Índia, e a recolha de material que sustentaria a sua obra futura. A 19 de Março de 1886 foi nomeado Vigário-Geral do Ceilão, tendo escrito vários sermões e homilias no dialecto indo-português desta ilha, publicados no Dialecto Indo-Português de Ceylão (1900). A 2 de Janeiro de 1887 a missão portuguesa no Ceilão foi extinta, por concordata da Santa Sé e do soberano português, motivo pelo qual Dalgado regressou a Goa, detendo já domínio sobre o Cingalês e o Malaio. Entre Maio de 1887 e Abril de 1890, foi Vigário-Geral em Calcutá, Bengala, onde aprendeu Hindustano e Bengali. Entre 1890 e 1893, viveu em Savantvadi, com o seu irmão mais velho, Dr. Gelasio D. Dalgado, que era ali cirurgião, onde estudou Marata e Sânscrito. Foi durante estes anos que terá compreendido as semelhanças entre a sua língua natal, o Concani, com o Sânscrito, o que o levou a investigar cientificamente a estrutura e vocabulário do vernáculo. Desta investigação surgiu em 1893 o seu Diccionario Koṃkaṇî-Portuguez e, dois anos antes da sua morte, a elaboração de uma gramática de Concani que não chegou a terminar e cujo manuscrito foi doado à então Biblioteca Pública de Nova-Goa (actual Biblioteca Central de Pangim). Em 1893 foi nomeado Vigário Forâneo de Honavar, mantendo o cargo até 1895, período durante o qual aprendeu Canarês e Tamil.

O Diccionario Koṃkaṇî-Portuguez despertou a atenção das autoridades lisboetas que lhe encomendaram, em 1895, o Dicionário Português-Konkani, publicado em 1905. A fim de supervisionar a impressão do livro, Dalgado regressou a Lisboa, e no mesmo ano foi eleito Membro da Sociedade de Geografia, tendo no ano seguinte sido nomeado Membro do Instituto de Coimbra. Em 1905, Dalgado foi eleito Prelado Doméstico do Papa. Entretanto, o Governo de Lisboa isentou-o do serviço de missionário no Oriente, tendo-se dedicado, a partir de então, quase exclusivamente ao estudo do Sânscrito e de Filologia, aprendendo entretanto Alemão, Árabe e Persa.

Com o falecimento de Guilherme de Vasconcelos Abreu (1907), vagou a cadeira de Sânscrito do Curso Superior de Letras, para a qual veio a ser nomeado Dalgado (1907), ocupando mais tarde o lugar de professor de Sânscrito na Universidade de Lisboa. Entre 1911 e 1915, um grave problema de saúde obrigou a que lhe fossem amputadas ambas as pernas, mas a Faculdade concedeu-lhe uma prerrogativa particular para que exercesse as funções de docência em sua casa.
Em 1911 foi nomeado Sócio Correspondente da Academia das Ciências de Lisboa. A mesma academia admitiu-o finalmente como Membro a título póstumo. Em 1917 recebeu o grau de Doutor honoris causa em Literatura pela Universidade de Lisboa. Em 1921 foi nomeado Membro Honorário da Royal Asiatic Society de Londres.

Publicou o Diccionario Koṃkaṇî-Portuguez, Philologico-Etymologico, Mumbai (1893), o Hitopadexa ou Instrucção Util, Lisboa (1897), em cuja introdução Guilherme de Vasconcelos Abreu atribui o mérito a Dalgado por ele ter realizado a primeira tradução completa de uma obra em Sânscrito para o Português. O Dialecto Indo-Português de Ceylão, Lisboa (1900), no mesmo ano o Dialecto Indo-Português de Goa, Porto, o Dialecto Indo-Português de Damão, Lisboa (1903), o Diccionario Português-Concani, Lisboa (1905), o Dialecto Indo-Português do Norte, Lisboa (1906). A Influencia do Vocabulario Português em Linguas Asiaticas, Coimbra (1913), foi muito bem recebida entre os orientalistas por toda a Europa. A Contribuição para a Lexicologia Luso-Oriental, Coimbra (1916), a tradução Historia de Nala e Damayanti, Coimbra (1916), o Dialecto Indo-Português de Negapatam, Porto (1917), no mesmo ano o Gonsalves Viana e a Lexicologia Portuguesa de origem Asiatico-Africana, Lisboa, o Glossário Luso-Asiático, vol. I, Coimbra (1919) e o Glossário Luso-Asiático, vol. II, Lisboa (1921). Os Rudimentos da Lingua Sanscrita, Lisboa (1920) e o póstumo Florilégio de Provérbios Concanis, Coimbra (1922).
Dalgado revelou nos seus estudos linguísticos os pontos de contacto e a influência portuguesa sobre as principais línguas do subcontinente indiano, e destas sobre as línguas europeias, tarefa que ninguém antes dele havia tentado a esta escala. Foi o Vocabulario que que lhe deu grande reputação entre os orientalistas europeus, mas a sua mais importante obra é o Glossário Luso-Asiático.

O lugar deixado vago na cadeira de Sânscrito por Sebastião Dalgado, viria a ser ocupado por Mariano José Luís de Gonzaga Saldanha (1878-1975).
Uma academia centrada nos estudos da língua Konkani fundada em 1988 em Goa, recebeu o nome do Orientalista, a Dalgado Konknni Akademi. Em Portugal, foi homenageado pelo Município de Lisboa, que atribuiu o seu nome a um largo na freguesia de S. Domingos, Benfica.

R.L.M.
Bibl: MAFRA, A. (2014), pp. 26-42; DORES, H. G. (2008), p. 22; SOARES, A. X. (1924), pp. 11-39; Idem (1936), pp. v-xxii; SARADESĀYA, M. (2000), pp. 82-96; SANTOS, F. M. C. (2010), p. 70; Arquivo Histórico da Faculdade de Letras de Lisboa, Livro de actas do Curso Superior de Letras, 1893-1908, ff. 84 e ff. 88.