Ruy Cinatti

CINATTI Vaz Monteiro Gomes, Ruy (1915, Londres – 1986, Lisboa), poeta, antropólogo e agrónomo.

Com a morte da mãe aos dois anos de idade e a subsequente partida do pai para os Estados Unidos, Ruy Cinatti foi entregue aos cuidados do avô materno, Demétrio Cinatti, recém-regressado a Lisboa depois de cumprir as funções de Cônsul-geral em Londres. Demétrio Cinatti, renomado orientalista, com um percurso profissional profundamente ligado à Ásia – primeiro como Oficial da Marinha, depois como diplomata – terá marcado positivamente a formação do neto, impulsionando uma profunda atracção por paragens exóticas (curiosamente, a avó materna era ela própria de ascendência chinesa). Aos sete anos, a morte do avô Demétrio fará com que seja entregue aos cuidados dos avós paternos, que o colocam como aluno interno no Instituto Militar dos Pupilos do Exército.

Concluídos os estudos, e contra a vontade da família paterna, é no Instituto Superior de Agronomia que se inscreve e se licencia, especializando a sua pesquisa no âmbito da Fitogeografia. Esse trabalho inspirará, anos mais tarde, a classificação de duas novas espécies botânicas com o seu nome: Eucalyptus Cinattiensis e Justitia Cinattii.

Depois da formação de base em Lisboa, muda-se para Oxford, onde estudou Etnologia e Antropologia Social. Entre 1943 e 1945, foi meteorologista aeronáutico da Pan American Airways, cargo que lhe abriria as portas do mundo. Homem de ciência, propenso à pesquisa de campo, publicou com frequência tudo o que resultava das suas viagens e inquirições, em especial o trabalho que veio a desenvolver em Timor, o espaço que maior influência exerceu sobre a sua personalidade e a sua escrita.

Em boa verdade, o gosto pela literatura, sobretudo pela poesia, já se fazia notar desde o princípio da década de 1940, não só porque publica então os primeiros livros, mas também porque passa a colaborar em diversos projectos inspirados pela intervenção política contra o regime fascista, entre eles os Cadernos de Poesia, que dirige com Tomaz Kim e José Blanc de Portugal.

Em Timor – território onde viveu de 1946 a 1947 e ao qual regressaria por mais alguns anos, entre 1950 e 1955 –, foi secretário e chefe de gabinete do governador, percorrendo o território a fim de elaborar um levantamento da distribuição botânica na ilha. Entre 1951 e 1955, ascendeu a director dos Serviços de Agricultura, mas incompatibiliza-se com a administração colonial e regressa a Lisboa. Já na capital, passa a integrar a Junta de Investigações do Ultramar, organismo onde vinha publicando alguns dos seus mais importantes estudos – Esboço Histórico do Sândalo no Timor portuguêsExplorações Botânicas em Timor Reconhecimento Preliminar das Formações Florestais no Timor Português, editados em 1950.

Regressa a Timor em 1961, com vista a recolher elementos para a sua tese de doutoramento, nomeadamente através de registo fílmico. Com efeito, entre os filmes da Missão Antropológica de Timor, dirigida por António de Almeida, constam doze horas e meia de imagens filmadas em 1962. As filmagens foram feitas pelo próprio ou por Salvador Fernandes, sendo que algumas sequências captadas por este último mostram Cinatti a ordenar os décors das cenas ou dando indicações aos “actores”. O conteúdo das imagens – que nunca foram montadas – inclui essencialmente apontamentos etnográficos sobre danças, lutas de galos, actividades económicas tradicionais, aspectos da vivência quotidiana ou apontamentos arquitectónicos (cf. Piçarra 2017, 145-149).

Por deixar transparecer uma postura crítica face ao regime, pelo que considerava ser uma exploração excessiva dos recursos do território, as visitas a Timor ficarão cada vez mais condicionadas, até à sua terminante proibição em 1966. Instalado definitivamente em Lisboa, concentra-se sobretudo na escrita de poesia, também como forma de expiar a melancolia do abrupto afastamento. Se Timor era já o pano de fundo em O Livro do Nómada Meu Amigo (1958), a sua evocação torna-se fundamental a partir do regresso à metrópole, sem que os títulos o permitam negar: Uma Sequência Timorense (1970), Timor-Amor (1974) e Paisagens Timorenses com Vultos (1974). Cinatti abre espaço nos poemas para as paisagens e as gentes, aproximando-se delas de uma forma emocionada, mas também simples, despretensiosa, bem-humorada, inaugurando, de certa maneira, uma nova forma de representar os espaços não-europeus na poesia portuguesa contemporânea (cf. Braga 2016, s.p.). Desde então – e até à sua morte, vinte anos mais tarde – publicará bem mais de uma dezena de títulos, que lhe valeram o reconhecimento de vários galardões, entre eles o Prémio Nacional de Poesia (1968), o Prémio Camilo Pessanha (1971) e o Prémio P.E.N. Clube Português de Poesia (1982). Exemplos igualmente notáveis desse trabalho de rememoração, que a distância não impediu, são as obras publicadas já a título póstumo: Motivos Artísticos Timorenses e a sua Integração (1987); Arquitectura Timorense (1987), em co-autoria com Leopoldo de Almeida e Sousa Mendes, onde são compilados diversos materiais e estudos acerca da construção nativa da ilha; e Um Cancioneiro para Timor (1996), que acolhe escritos em prosa, poesia e fotografias do autor. Em 1992, seis anos após a sua morte, seria agraciado com a Grã-Cruz da Ordem do Infante D. Henrique.

CNA

Bibliografia consultada:

Braga, Duarte Drumond. 2016. Ruy Cinatti. Um poeta que instaurou novas formas de se falar da Ásia em Portugal. Jornal i. Disponível em https://ionline.sapo.pt/artigo/500529/ruy-cinatti-um-poeta-que-instaurou-novas-formas-de-se-falar-da-asia-em-portugal?seccao=Mais_i (consultado a 15 de Agosto de 2021).Piçarra, Maria do Carmo. 2017. Uma filmografia colonial de Timor Português. Anuário Antropológico 42 (2): 133-155. Disponível em https://journals.openedition.org/aa/1952 (consultado a 16 de Julho de 2021).

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