AMARO, Ana Maria de Sousa Marques da Silva (Lisboa, 1929 – Lisboa, 2015), académica e investigadora cuja actividade incidiu sobre os Estudos de Macau e os Estudos Chineses.
Oriunda de Lisboa, Ana Maria Amaro frequentou os três primeiros anos da Licenciatura em Medicina de 1947 a 1950 e concluiu a Licenciatura em Ciências Biológicas, assim como o Curso de Ciências Pedagógicas, com a duração de um ano, em 1954. Foi viver para Macau em 1957. Tinha casado no ano anterior e acompanhava o seu marido, Fernando Amaro, que havia sido colocado no território como oficial miliciano e que aí assumiria nomeadamente as funções de ajudante de campo do Governador Jaime Silvério Marques (1959-1962) e de secretário do Governador Lopes dos Santos (1962-1966).
Durante a sua estadia em Macau, que decorreu até 1972, prosseguiu a actividade docente no Liceu Nacional Infante D. Henrique. Esta teve início em 1958 a título meramente eventual, sendo que no ano seguinte viria a surgir uma vaga para a qual a jovem licenciada concorreria e que viria a preencher. Tinha conhecimentos no ramo do ensino, adquiridos no Curso de Ciências Pedagógicas, assim como alguma experiência, tendo anteriormente dado explicações e leccionado no colégio da sua mãe. Ensinava agora Ciências Naturais, em virtude da sua formação, e ainda Geografia.
Sendo este o contexto, tinha em Macau, como expressamente referiria mais tarde, “tempo e motivação para investigar aquilo que não conhecia”, seguindo um “desejo de perceber onde estava” e de não se “sentir analfabeta e surda” em virtude do facto de “não saber ler nem compreender o que os chineses escreviam e diziam”.[1] Dedicou-se então à actividade de investigação, que incidiu inicialmente sobre a área da botânica, matéria do seu especial interesse no âmbito da sua formação universitária. Ao mesmo tempo, lançou-se na aprendizagem do chinês escrito e do cantonês falado.
Do seu trabalho no domínio da botânica, resultaram vários estudos publicados na década de 1960. O primeiro foi um artigo de 1961 intitulado “Relíquias Botânicas de Macau”, que através da análise de vestígios de plantas pretendia ser um contributo para a localização de casas antigas de famílias abastadas macaenses desaparecidas.[2] Um outro foi um “Catálogo provisório das espécies mais comuns da Flora de Macau”, que a autora decidira elaborar a partir da sua constatação da falta de herbários e de bibliografia actualizada.[3] Seguiram-se ainda três monografias, intituladas “Contribuição para o estudo da flora médica macaense”, “Espécies botânicas goesas da flora de Macau” e “Pun Tchoi” (Bonsai), publicadas entre 1965 e 1966.
O seu interesse por plantas conduziria ainda a um outro estudo, publicado em 1967, sobre o Jardim de Lou Lim Ieóc, o qual continha informação sobre a sua história e também um alerta para o facto de “o tempo e os homens, indiferentes ao misticismo e à beleza”, o estarem pouco a pouco a destruir.[4] O estudo surgia numa altura crítica em que o jardim estava em risco de destruição e substituição por edifícios de vários andares, estando situado numa zona central da cidade de Macau. Seria iniciado um processo de recuperação em 1972, ao tempo do Governador Nobre de Carvalho (1966-1974), ao qual não foi alheia a influência da investigadora,[5] tendo sido por sua iniciativa que o governo adquiriu aos herdeiros o jardim.[6]
Um outro foco natural da atenção de Ana Maria Amaro seriam as hortas periféricas de Macau, para o entendimento das quais a mesma teria um contacto intenso com a população que as trabalhava e que incluía refugiados de diversos pontos da China. Estas hortas viriam a constituir o objecto do seu trabalho final numa segunda licenciatura, em Ciências Antropológicas e Etnográficas, que prosseguiria após o seu regresso a Portugal. O texto, com o título “Prática Agrícola em Espaço Urbano, as Hortas de Macau”, apresentava a técnica chinesa no aproveitamento dos aterros salgados a partir de adjuvantes naturais.[7]
Sendo notória já nestes trabalhos incidentes sobre realidades naturais preocupações com dimensões humanas, a investigadora viria ainda a debruçar-se exclusivamente sobre questões etnográficas em variados outros estudos realizados a partir de meados da década de 1960. Entre eles seriam publicados alguns em Macau durante o período ainda da sua presença no território: Vendilhões Chineses de Macau em 1966, Alguns Aspectos do Artesanato em Macau e O Velho Templo de Kun Iâm em Macau em 1967, e Jogos, Brinquedos e outras Diversões de Macau em 1972.
De regresso a Portugal, Ana Maria Amaro voltou ao mundo académico. Inscreveu-se na Licenciatura em Ciências Antropológicas e Etnológicas no Instituto Superior de Ciências Sociais e Políticas (ISCSP) da Universidade Técnica de Lisboa, que terminou em 1975. Frequentou, no ano seguinte, o primeiro ano da Licenciatura em Geografia. Finalmente, em 1991, doutorou-se em Antropologia / Etnologia (Civilizações Orientais) na Universidade Nova de Lisboa.
Neste quadro, veio a assumir funções docentes ao nível universitário no ISCSP, onde alcançou a categoria de Professora Catedrática Jubilada. Seria nesta segunda instituição que contribuiria sensivelmente para a divulgação em Portugal da cultura chinesa, e promoção da investigação sobre a mesma. Neste sentido, criaria em 1996, na Associação de Estudantes, um Curso de Língua e Cultura Chinesas, de três anos, estruturado com inspiração em programas curriculares da Escola de Estudos Orientais e Africanos da Universidade de Londres (SOAS). Na sequência da conclusão do mesmo por um primeiro grupo de alunos, o curso passaria a ser integrado no ISCSP e coordenado por um órgão constituído para o efeito, O Centro de Estudos Chineses, que também organizava anualmente um congresso, intitulado Semana Cultural da China, e publicava os trabalhos nele apresentados, assim como outros de professores e alunos do Curso de Língua e Cultura Chinesas. As publicações foram múltiplas: O Mundo Chinês: um longo diálogo entre culturas (1998) e oito volumes de Estudos sobre a China (1999-2006). Em 2006, tendo sido extinto o Centro de Estudos Chineses, Ana Maria Amaro decidiria criar, para dar continuidade ao trabalho prosseguido durante uma década, o Instituto Português de Sinologia, cujos objectivos se aproximavam dos do Centro de Estudos Chineses, com um enfoque na divulgação da Língua e Cultura Chinesas, através de palestras, colóquios, exposições e workshops e a organização anual de fóruns internacionais.
A par de todas as suas actividades no mundo académico, Ana Maria Amaro continuou a escrever. Não tendo voltado a Macau depois de 1972, não cessou em todo o caso a sua produção de textos sobre Macau, cuja escrita se baseava no material que tinha recolhido e nas memórias que conservava. Uma temática presente de forma substancial nos seus textos era a cultura popular de Macau. Deu à estampa um conjunto de Adivinhas Populares de Macau, em 1974 e 1975-1976. No âmbito do lazer, publicou Um jogo africano de Macau: a chonca em 1980, Três Jogos Populares de Macau: Chonca, Talu, Bafá em 1984, “Jogos de cartas de Macau de tradição ibérica” em 1995, e a segunda parte de Jogos, Brinquedos e outras Diversões de Macau em 2011. Entre muitos outros textos, sobre temáticas mais ou menos amplas, destacam-se ainda Filhos da Terra, de 1988, uma análise sobre os macaenses do ponto de vista antropobiológico e cultural, que se debruça igualmente sobre a estrutura social deste grupo,[8] O Traje da Mulher Macaense: da Saraça ao Dó das Nhonhonha de Macau, de 1989, no qual é estudado o traje popular no âmbito da Antropologia do Simbólico,[9] e Das Cabanas de Palha às Torres de Betão: assim cresceu Macau, de 1998, uma investigação sobre o desenvolvimento urbano de Macau desde o estabelecimento dos portugueses até ao fim do século XX, em especial os principais factores que, ao longo dos quatrocentos anos de história de Macau, fizeram crescer a cidade.[10] Por seu lado, Aguarelas de Macau: 1960-1970, Cenas de Rua e Histórias de Vida, que foi impresso em 1998, é um livro com características próprias na medida em que narra memórias de Macau, histórias de vida reais em que apenas os nomes verdadeiros foram substituídos por ficcionados.
Contam-se entre os seus trabalhos sobre Macau algumas incursões no domínio da Medicina, que tinha constituído a sua primeira área de formação: “Alguns aspectos da Medicina Tradicional Chinesa” (1972), a tese de doutoramento com o título “Medicina popular de Macau: um processo de adaptação cultural” (1988), “O mal-de-ar na concepção popular de Macau” (1990), Introdução da Medicina Ocidental em Macau e as receitas de segredo da botica do Colégio de São Paulo (1992), “O sobrenatural na medicina popular de Macau” (2000), e “Influência da medicina tradicional chinesa nas mezinhas de casa das Nhonhonha de Macau” (2002). Significativamente, trata-se de trabalhos onde convergem as áreas das ciências naturais e sociais. Neste aspecto, são exemplificativos de um percurso ecléctico especial dentro do dos orientalistas portugueses, que se relaciona com o particular percurso de formação e de vida que teve.
A.B.
[1] “Macau é uma recordação agridoce”, 15-5-2015, http://macauantigo.blogspot.com/2015/05/macau-e-uma-recordacao-agridoce.html.
[2] “Novo livro de Ana Maria Amaro”, 22-6-2011, http://macauantigo.blogspot.com/2011/06/novo-livro-de-ana-maria-amaro.html.
[3] Ana Maria Amaro, “Catálogo provisório das espécies mais comuns da Flora de Macau”, separata do Boletim Eclesiástico da Diocese de Macau, 1961-1962, [nota prévia], n.p.
[4] O Jardim de Lou Lim Ieóc, Macau: Imprensa Nacional, 1967, p. 44.
[5] “Macau é uma recordação agridoce”
[6] “Morreu Ana Maria Amaro, investigadora de Macau e da China”, Macau 澳門, Maio de 2015, https://www.revistamacau.com.mo/2015/05/15/morreu-ana-maria-amaro-investigadora-especializada-em-macau-e-civilizacao-chinesa/.
[7] “Macau é uma recordação agridoce”
[8] Ana Maria Amaro, Filhos da Terra, Macau: Instituto Cultural de Macau, 1988 p. 1.
[9] Ana Maria Amaro, O Traje da Mulher Macaense: da Saraça ao Dó das Nhonhonha de Macau, Macau: Instituto Cultural de Macau, 1989 p. 9.
[10] Ana Maria Amaro, Das Cabanas de Palha às Torres de Betão: assim cresceu Macau, Macau: Instituto Cultural de Macau, 1989 p. 15.