Antero Quental

Quental, Antero Tarquínio de (1842, Ponta Delgada – 1891, Ponta Delgada), poeta, pensador

Bacharel em Direito pela Universidade de Coimbra, se destacou no cenário intelectual português, principalmente como poeta. Foi também protagonista da famosa Questão Coimbrã e das Conferências do Casino Lisbonense, além de ser considerado uma espécie de mentor da afamada Geração de 70. Em prosa, deixou uma série de reflexões e textos críticos, destacando seus pensamentos sobre a filosofia no século XIX.

Antero nunca viajou ao Oriente, nem participou dos congressos de orientalistas. Entretanto, sua obra é fortemente marcada pelo pensamento oriental, especialmente o Budismo. Amigo de Guilherme de Vasconcelos Abreu, Antero debateu com esse orientalista diversas questões sobre o Budismo e o Hinduísmo.

Segundo a contribuição de Eça de Queiroz ao In Memoriam (1896) de Antero, o Oriente se faz presente desde as leituras formativas do jovem poeta, quando “os Vedas, o Mahabarata, o Zend-Avesta, os Eddas, os Niebelungen eram os livros sobre que nos precipitávamos com a gula tumultuosa da mocidade que devora, aqui, além, um trecho mais vistoso, sem ter a paciência de se nutrir com método” (Queiroz 2011, 290).

Em sua produção bibliográfica, encontramos imagens pendulares acerca do Oriente, uma vez que é possível identificar posicionamentos explicitamente eurocêntricos, como em seu famoso discurso Causas da Decadência dos Povos Peninsulares nos últimos três séculos (1871), mas também críticas à visão comum, percebidas na Europa da época, sobre o Budismo como uma religião “pessimista” ou uma “religião do nada”, conforme expresso em diversas missivas da década de 1880, entre elas a conhecida carta enviada a Maria Amália Vaz de Carvalho em 1886.

O contato de Antero com o Budismo se deu por meio de traduções de textos búdicos, bem como via pensamento de filósofos alemães como Schopenhauer e Eduard von Hartmann, cujas reflexões dialogam também com o Budismo.

Literariamente, Antero deixou sonetos que fazem referência direta ao Oriente e ao Budismo, entre os quais se destacam “Sonho Oriental”, “Nirvana” e a série de seis sonetos “Elogio da Morte”.  Pesquisadores que se dedicaram a observar exclusivamente questão do Budismo em Antero, como Alves (2001) e Feitais (2007), encontram ainda aspectos da filosofia budista em outros sonetos anterianos, como “Divina Comédia”, “No Turbilhão”, “Contemplação”, “Voz Interior”, “Transcendentalismo”, entre outros. Entretanto, mesmo que a produção poética de Antero se torne diminuta na década de 1880, sua reflexão sobre o Budismo prossegue até sua morte. Desta forma, suas missivas, em especial sua carta autobiográfica a Wilhelm Storck (1887), e textos como Tendências Gerais da Filosofia da Segunda Metade do Século XIX (1890) são fundamentais para entender o papel da filosofia budista no conjunto do pensamento do poeta. O diálogo de Antero com o Budismo parece atingir seu ápice quando, em carta a Magalhães Lima datada de 2 de fevereiro de 1889, explica sua fórmula “Helenismo coroado por um Budismo” como expressão-resumo de sua filosofia de vida, que possibilitaria uma reforma moral ao homem europeu do final do século XIX. Esta reflexão expõe Antero como um sujeito que, aberto a uma forma de pensar não-europeia, absorveu elementos de uma filosofia oriental e utilizou-o para elaborar sua mundividência única. Neste sentido, pode-se afirmar que o poeta açoriano teve uma interação ímpar com o Budismo em seu tempo. É importante destacar que, até chegar nessa fórmula, o pensamento de Antero tentou desenvolver outros conceitos, como seu conhecido “misticismo ativo”, também com elementos incorporados a partir de suas leituras acerca do Budismo.

O pensamento filosófico de Antero despertou a curiosidade de muitos estudiosos a partir do século XX e, em maior ou menor grau, a influência do Budismo – ou da filosofia alemã que bebeu na fonte búdica – foi explorado por importantes nomes dos estudos anterianos, como Joaquim de Carvalho (1892-1948), António Sérgio (1883-1969) e Eduardo Lourenço (1923-2020). Entretanto, mesmo com admiradores e estudiosos, não se pode dizer que Antero teve discípulos, ao menos em relação à sua forma de interação com o Oriente.

J.C.V,

 

Bibliografia:

ALVES, Miguel Botão. 2001. Os Sonetos de Antero de Quental: uma leitura do Budismo indiano. Macau: Centro de Publicações da Universidade de Macau.

FEITAIS, Paulo. 2007. “Antero, Oliveira Martins e o Budismo” In O Buda e O Budismo no Ocidente e na Cultura Portuguesa, edited by Paulo Borges, Duarte Braga, 197-249. Lisboa: Ésquilo.

LIMA, Isabel Pires de. 1999. “O Orientalismo na Literatura Portuguesa (Séculos XIX e XX)” In O Orientalismo em Portugal, edited by Ana Maria Rodrigues, 145-160. Porto: Edifício da Alfândega.

QUEIROZ, Eça de. 2011. “Um Gênio que era um Santo”. In Edição Crítica das Obras de Eça de Queirós. Almanaques e outros dispersos, edited by Irene Fialho, 285-329. Lisboa: Imprensa Nacional-Casa da Moeda.

VANZELLI, José Carvalho. 2021. Portugal e o Oriente: Antero de Quental – Camilo Castelo Branco – Eça de Queirós – Pinheiro Chagas. Curitiba: Appris.

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