ESTEVES PEREIRA, Francisco Maria (1854, Miranda do Douro, -1924, Lisboa), militar orientalista e etiopista
Ao lado do indólogo Guilherme de Vasconcelos Abreu e o mais jovem arabista David Lopes, o Coronel Esteves Pereira foi um dos três orientalistas, no sentido forte da palavra, que brilharam no céu luso na segunda metade do século XIX e parte do XX.
Era um engenheiro militar que se tornou poliglota, homem de letras e orientalista multifacetado e de grande fôlego, sendo membro de várias agremiações científicas, nacionais e estrangeiras. Privilegiou a história e literatura etíopes, tornando-se o único etiopista português de sempre, em termos estrictamente filológicos que não históricos ou antroplógicos, sendo muito apreciado aliás nos meios orientalistas europeus do seu tempo.
De entre as oito dezenas de publicações de vária ordem e bastante consistentes, incluindo textos clássicos grego-latinos ou em sânscrito, assim como do período clássico português (séc. XVI-XVII), vinte ou mais dizem respeito à literatura etíope (historiografia, hagiografia, homilética, poesia). O mor delas remontam ao primeiro período da sua produção científica e constituem edições/traduções (em francês) publicadas em grandes colecções europeias.
De entre as fontes históricas etiópicas, mencionam-se as crónicas dos reis Minas (1888), Susenyos (1882-94) ou Galavdevos (1900). No âmbito hagiográfico, apontam-se as Vidas de vários Padres do deserto (Paulo de Tebas, Onofre, Maria Egípcia, Daniel, Samuel etc.), assim como os “Mártires de Najran”, com as peripécias das reacções dos soberanos etíope e bizantino contra o rei judeu de Himyar. Temos também uma série de homelias genuínas ou apócrifas de S. João Cristomo e, finalmente, as versões de livros bíblicos, como os dos profetas Job, Amós e Ezra (3º livro), ou ainda o livro histórico de Ester.
Grande parte desses textos em língua gueez dependem da tradição copta ou copto-árabe, pelo que isto terá implicado uma certa familiarização nestes domínios, o que consubstancia – deve-se frisar – o caso único de investigação nacional que incidisse sobre o cristianismo oriental, até às décadas mais recentes.
O que espanta é que o biografado se impôs no campo orientalístico, etiópico em particular, no meio da sua exigente actividade profissional e enquanto autodidacta, pois nunca houve ensino da língua etíope em Portugal, até algumas tentativas precárias nos últimos tempos.
Foi sócio efectivo da Academia das Ciências de Lisboa (1922).
O seu legado entrou na Biblioteca da Academia das Ciências de Lisboa aguardando um estudo apurado que poderá revelar trabalhos porventura inéditos, de qualquer modo, boa parte das suas fontes de investigação e de pensamento.
A.S.
Bibl.: LOPES, D. (1939); BOAVIDA, I.(2010),pp. 389 a-b; SIDARUS, A. (2015, no prelo)