Eça de Queiroz

Eça de Queiroz, José Maria (1845, Póvoa de Varzim – 1900, Neuilly sur Seine, França), escritor, diplomata e jornalista. 

Bacharel em Direito pela Universidade de Coimbra, atuou como cônsul português em Havana, Newcastle, Bristol e Paris. Suas relações com o Oriente são de natureza variada. Perpassa toda sua carreira intelectual e se mostra presente em todos os gêneros textuais que produziu. Segundo se depreende do texto “Um Gênio que era um Santo” (1896), seus primeiros contatos com o Oriente foram por meio de leituras formativas nos tempos de estudante em Coimbra (1861-1866). Bacharel recém-formado, Eça viajou, juntamente com seu amigo e futuro cunhado Conde de Resende, ao Egito com o objetivo de assistir à inauguração do Canal de Suez. Eça e seu companheiro de viagem partiram de Lisboa em 23 de outubro de 1869 e regressaram a Portugal em 3 de janeiro de 1870. Nesta viagem, o escritor passou por Egito, Palestina e Alta Síria, deixando anotações de viagem que vieram a ser publicadas postumamente. A parte referente à viagem ao Egito veio a lume em 1926, enquanto data apenas de 1966 a publicação das anotações acerca da Terra Santa. É notória a importância desta viagem para sua produção intelectual. A visita à Terra Santa é intermitentemente lembrada em suas obras vindouras e dialoga com um dos pontos críticos centrais da obra queirosiana: a religião cristã, suas personagens e temas correlatos.

Outra experiência marcante de Eça com o Oriente data de 1872, quando o autor assumiu o cargo de diplomata em seu primeiro posto consular, Havana. Na ilha cubana, o escritor lidou com emigrantes chineses, os chamados coolies, trabalhando em situação equivalente à escravidão. Os trabalhadores chineses eram de responsabilidade da autoridade portuguesa na ilha, uma vez que saíam do porto da então colónia portuguesa, Macau, em direção à América Central. Assim, por pouco menos de um ano, Eça esteve em contato direto com chineses, experiência da qual saiu o relatório consular A Emigração como Força Civilizadora, redigido em 1874, mas publicado apenas em 1979 dentre outros textos consulares desse período. Outras impressões de Eça sobre a situação dos chineses em Cuba podem ser encontradas em sua correspondência pessoal, como em carta a João Andrade Corvo de 17 de maio de 1873, ou carta a Ramalho Ortigão de 28 de novembro de 1878.

Para além dessas experiências, é sabido que Eça leu e conversou largamente sobre o Oriente com amigos que também viajaram para países orientais, como o Conde de Arnoso, de quem o escritor recebeu a famosa cabaia chinesa com a qual se deixou fotografar em 1889.

Seja por influência de suas viagens, seja por meio de leitura, representações do Oriente podem ser vistas em toda produção ficcional queirosiana. Encontramos menções diversas, por exemplo, nos contos que posteriormente vieram a ser denominados Prosas Bárbaras (1903), nos quais existem referências ao poeta chinês Li Tai-Pé (701-762); n’O Mistério da Estrada de Sintra (1870), seu primeiro romance, escrito a quatro mãos com Ramalho Ortigão; n’O Mandarim (1880); n’A Relíquia (1887); n’A Cidade e as Serras (1900); n’A Correspondência de Fradique Mendes (1901); e no romance póstumo e incompleto Tragédia da Rua das Flores (1980). Ademais, o Oriente surge como elemento descritivo de cenários em outros textos, evidenciando uma tendência na decoração de interiores no fin-de-siècle. Desta forma, encontramos ainda referências orientais em Crime do Padre Amaro (1880); O Primo Basílio (1878); Singularidades de uma Rapariga Loura (1874); Os Maias (1888), entre outros. 

Já na produção jornalística queirosiana, o Oriente é tema de diversas crônicas, como “De Port-Said a Suez” (1870), publicada no Diário de Notícias; uma reflexão sobre a mulher muçulmana no Almanaque das Senhoras (1871); dois textos de As Farpas, panfletos mensais de crítica que Eça, em conjunto com Ramalho Ortigão, publicou entre 1871 e 1872; as Crónicas de Londres (1877), nas quais, em sua maioria, é abordado um conflito bélico entre Rússia e Turquia, além de o sexto texto tratar da fome na Índia; em diversos artigos publicados na Gazeta de Notícias do Rio de Janeiro, como “Cartas de Paris e Londres” (1880), “Um artigo do Times sobre o Brasil” (1880) – que originou a famosa polémica “Brasil e Portugal” entre Eça e Manuel Pinheiro Chagas (1842-1895) sobre a colonização portuguesa na Ásia –, “Os Ingleses no Egito” (1882), “A França e o Sião” (1893), “Chineses e Japoneses” (1894), “A Propósito da Doutrina Monroe e do Nativismo” (1896), “Ainda as Festas Russas – Os Jornais” (1896) e “As Catástrofes ou as Leis da Emoção” (1897); e um artigo intitulado “França e Sião” (1897), que foi publicado na Revista Moderna de Paris. Desta forma, a produção intelectual queirosiana é um importante contributo para o debate sobre o orientalismo em Portugal. 

J.C.V.

 

Referências:

CAMPOS MATOS, A. (1988), Dicionário de Eça de Queiroz, Lisboa, Caminho.

CAMPOS MATOS, A. (2009), Eça de Queiroz. Uma biografia. Lisboa, Afrontamento. 

LIMA, Isabel Pires de (1997), «Os Orientes de Eça de Queirós», Semear, n.º 1, pp. 81-95.

MAGALHÃES, José Calvet de (2000), «Eça de Queirós, cônsul e escritor», Revista Camões, n.º 9-10, pp. 8-22.

VANZELLI, José Carvalho (2021), Portugal e o Oriente: Antero de Quental – Camilo Castelo Branco – Eça de Queirós – Pinheiro Chagas, Curitiba, Appris.

Posted in E