António Borges Coelho

Coelho, António Borges (1928, Murça, Portugal) entra na Faculdade de Letras, em Lisboa, em 1949, no curso superior de Histórico-Filosóficas, onde inicia também a sua actividade política contra a ditadura do Estado Novo, no Movimento de Unidade Democrática Juvenil, do qual se tornará dirigente. Enquanto funcionário do Partido Comunista Português, é preso em 1956, sendo libertado em 1962.

Termina a licenciatura em 1967, com a tese Leibniz: o homem, a teoria da      ciência. A influência marxista pautou a forma como escreve sobre história social, bem como a escola dos Annales, caracterizada pelas suas abordagens sociológicas e interdisciplinares (Lucas e Rocha 2018). Logo após a sua saída da prisão publica Raízes da Expansão Portuguesa (1964) e A Revolução de 1383 (1965). A primeira foi censurada, considerando-se que colocava em causa a iniciativa nacional da epopeia da expansão portuguesa.

Contestando a narrativa tradicional da historiografia portuguesa, Borges Coelho escreve Portugal na Espanha Árabe, obra que lhe dá maior destaque no âmbito dos estudos árabes e islâmicos e, mais especificamente, sobre a história do Gharb al-Andalus (ocidente do al-Andalus), no qual se insere o passado islâmico do actual território português, ignorado e até negado pela então memória nacional-católica do Estado Novo. De acordo com Borges Coelho, exceptuando o historiador Alexandre Herculano, os vestígios do passado islâmico não tinham lugar na história de Portugal (P. Barros 2010, 51).

Portugal na Espanha Árabe publica-se em quatro volumes, entre 1972 e 1975, repensando a narrativa e memória nacionalista da Reconquista, de identidade exclusivamente cristã. Obras como a História Luso-Árabe. Episódios e figuras meridionais (1945) do arabista José Domingo Garcia Domingues já haviam sido publicadas anteriormente com o intuito de divulgar e reivindicar, dentro e fora da academia, o passado islâmico do território português. Porém, Portugal na Espanha Árabe terá um maior impacto, por colocar o passado islâmico no mapa da história medieval portuguesa, campo que dialogava pouco com os estudos árabes histórico-filológicos, incipientes no país. Portugal na Espanha Árabe é também de carácter divulgativo, reunindo excertos e relatos de fontes árabes, que o autor recolhe a partir de traduções espanholas e francesas, traduzindo-os para português e comentando passagens seleccionadas sobre os territórios que mais tarde se tornarão Portugal.

O título da obra manifesta uma reacção do autor que parece insurgir-se contra a usurpação ou sequestro do al-Andalus enquanto identidade exclusivamente espanhola – a “Espanha árabe” ou a “Espanha muçulmana” (Marín 2014), uma “espanholização” que resultava no completo esquecimento da existência de Portugal no território peninsular (García Sanjuán 2012, 85). Consequentemente, a exclusão de Portugal na construção da memória do al-Andalus por uma corrente historiográfica espanhola provocou a elaboração de conceitos igualmente anacrónicos, como “Portugal islâmico”,      ou a identificação de Gharb al-Andalus como sinónimo do Portugal contemporâneo, visões presentes na obra de Borges Coelho que protagonizam um novo sequestro historiográfico. Na historiografia portuguesa, a associação subentendida entre Gharb al-Andalus e Portugal, fruto da ligação etimológica entre Gharb e Algarve, resulta muitas vezes em indentificações erróneas (García Sanjuán 2009, 4-5) e imprecisões que não acompanham a renovação historiográfica sobre o al-Andalus que começou a ocorrer a partir dos anos      70, como, por exemplo, com a obra de Pierre Guichard sobre as sociedades islâmicas do al-Andalus (Guichard 1972, 1976). ,

A obra, ao pretender distanciar-se dos “olhos dos ideológicos de cruzada” (Borges Coelho 2008, 12-13) e integrar a história do Gharb al-Andalus na memória histórica, acaba também por reclamá-la quase como uma identidade proto-nacional (Cardoso, a publicar). Portugal na Espanha Árabe marcou uma geração de intelectuais e historiadores em Portugal e a sua reedição em 2008 reflecte que continua a ser uma obra de referência para a história do al-Andalus, um campo de estudos que sempre esteve marcado no país pela descontinuidade (F. Barros 2014, 36).

A preocupação com o estudo do dominado revela-se também na investigação  das minorias e cristãos novos, que dará origem à sua tese de doutoramento A Inquisição de Évora. Dos primórdios a 1668 (Universidade de Lisboa, 1986).

Após a revolução de 25 de Abril de 1974, numa assembleia de estudantes, António Borges Coelho é eleito professor auxiliar convidado da Faculdade de Letras, onde continuará a desenvolver o seu trabalho de investigação, dando também aulas de      História Moderna, até à sua jubilação em 1998, após tornar-se professor catedrático em 1993. Em 2018 foi-lhe atribuído o Prémio Universidade de Lisboa, tendo recebido também anteriormente o Prémio da Fundação Internacional Racionalista. Foi agraciado com a Grã-Cruz da Ordem da Liberdade pelo Presidente da República Marcelo Rebelo de Sousa, tendo sido previamente condecorado com a Grã-Cruz da Ordem Militar de Sant’Iago da Espada.

Borges Coelho continua actualmente a sua actividade científica, escrevendo a sua História de Portugal, que já conta com seis volumes. Para além da sua obra historiográfica, é também autor de poesia, encontrando-se a preparar uma antologia, bem como de peças de teatro, como Youkali é o País dos Nossos Desejos (2005).

E.C.

Referências bibliográficas

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Barros, Pedro. 2010. “António Borges Coelho, uma História, uma vida, um silêncio que desperta.” Em António Borges Coelho. Procurar a luz para ver as sombras, coordenado por David Santos, 47-60. Vila Franca de Xira: Museu do Neo-Realismo.

Borges Coelho, António. 2008. Portugal na Espanha Árabe. Lisboa: Caminho.  

Cardoso, Elsa. A publicar. “Portugal e o Gharb al-Andalus entre historiografia, ideologia e nacionalismo: José Garcia Domingues e António Borges Coelho.” Em A história na era da (des)informação, editado por Marília dos Santos Lopes e Fernando Ilharco. Lisboa: Universidade Católica Portuguesa.

Domingues, José Domingos Garcia. 1945. História luso-árabe: Episódios e figuras meridionais. Lisboa: Pro domo.

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García Sanjuán, Alejandro. 2012. “Al-Andalus em la historiografía del nacionalismo españolista (siglos XIX-XXI). Entre la Reconquista y la España musulmana.” Em A 1300 años de la conquista de al-Andalus (711-2011): Historia, cultura y legado del Islam en la Península Ibérica, editado por Diego Melo Carrasco e Francisco Vidal Castro, 65-104. Chile: Altazor.

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Guichard. Pierre. 1972. Tribus árabes et berberes dans al-Andalus, Tese de doutoramento, Universidade de Lyon 2.

Lucas, Isabel (texto) e Rocha, Daniel (fotografia). 2018. “‘Uma anedota de país esteve na vanguarda do planeta. O museu dos Descobrimentos é essencial’, entrevista a António Borges Coelho.” Público, 16 Dezembro 2018.

Macias, Santiago. 2003. “Entrevista a António Borges Coelho.” Em Historiador em discurso directo: António Borges Coelho. Mértola: Câmara Municipal de Mértola.

[Madeira 2010a] Madeira, João. 2010. “António Borges Coelho, militante, historiador, homem de causas e utopias.” Em António Borges Coelho. Procurar a luz para ver as sombras, coordenado por David Santos, 11-45. Vila Franca de Xira: Museu do Neo-Realismo.

[Madeira 2010b] Madeira, João. 2010. “Coelho, António Borges.” Em Dicionário de Historiadores Portugueses. Da Academia Real das Ciências ao final do Estado Novo, coordenado por Sérgio Campos Matos. Centro de História da Universidade de Lisboa.

Marín, Manuela. 2014. “Reflexiones sobre el arabismo español: tradiciones, renovaciones y secuestros.” Hamsa. Journal of Judaic and Islamic Studies [H-REJI], 1, 1-17.

Mattoso, José. 2008. “Homenagem a António Borges Coelho. Mértola, 17 de Maio 2007.” Medievalista, ano 4, n.º 4, 1-5.