PESSOA, Fernando (Lisboa, 1888-1935), poeta, escritor e intelectual.
Fernando Pessoa não é um orientalista, mas um escritor e poeta português central – talvez o mais central de todos – no campo da literatura portuguesa e cuja escrita acusa indesmentíveis marcas do saber orientalista, entendido não apenas como a atividade daquele que escreve e estuda uma entidade chamada “Oriente” mas também, num segundo plano, a produção de construtos etnocêntricos e essencialistas sobre certas culturas não-europeias (SAID, 2004).
Encontram-se diversas referências ao “Oriente” em seus manuscritos, datiloscritos, notas de leitura ou marginalia da biblioteca privada, relacionando-se com mundos tão diversos quanto a Índia, a China, o Japão ou a Pérsia. Em Pessoa, ele não emerge como uma questão dada a priori, mas como um conjunto de questões. Constitui, portanto, o que se poderia designar como um tema pessoano em segundo grau (BRAGA, 2019), uma vez que não estamos perante um corpus textual definido, mas mais um conjunto de referências esparsas, em torno sobretudo da reflexão histórico-civilizacional.
É certo que tal ultrapassa o campo estrito da poesia – onde se sente, sobretudo em «Opiário» de Álvaro de Campos, a presença de tópicos característicos do que seria um orientalismo português (BRAGA, 2019) – e se prende ao mundo radicalmente fragmentário da ensaística pessoana.
Apontando alguns exemplos de corpora textuais fragmentários que aqui têm cabimento, veja-se por exemplo o interesse pela cultura islâmica, ou Arabismo pessoano: desponta já em 1906, atravessa (via o heterónimo António Mora) o investimento da década de 1910 em torno das correntes estético-doutrinárias Sensacionismo e Neopaganismo, fundamenta certas posições iberistas pelo menos até 1918 e refloresce no sebastianismo de Pessoa em 1928 (BOSCAGLIA, 2016).
Já as visões da Índia prendem-se com uma grande variedade de outras questões, nas quais a Índia (ou «Índias») é usada como símbolo de certas posições socioculturais, antropológicas ou mesmo religiosas.
Ao atentar nos escritos em prosa de Ricardo Reis ou de António Mora sobre Budismo e Hinduísmo nota-se a presença de tópicos da indologia oitocentista, face a conceitos centrais do Hinduísmo e do Budismo, muitas vezes indistintos (LOPO, 2013), como o de nirvana, orientalisticamente lido como esvaziamento da personalidade por parte do «oriental». Nos mesmos textos encontra-se uma crítica do indocentrismo teosófico.
Já a Pérsia do Khayyam pessoano (traduções, novas versões, recriações e fragmentos ensaísticos) implica, sem dúvida, um diálogo com o orientalismo inglês, por via da figura do poeta e tradutor Edward FitzGerald, cuja tradução do poeta persa é a base do interesse de Pessoa em torno à sua figura.
D.D.B
Bibliografia
BOSCAGLIA, Fabrizio e BRAGA, Duarte Drumond, orgs. (2016), Pessoa Plural, n.º 9 (primavera), Providence/Warwick/Bogotá, Brown University, Warwick University, Los Andes University.
BRAGA, Duarte Drumond (2019), As Índias Espirituais. Fernando Pessoa e o Orientalismo Português, Lisboa, Tinta da China.
LOPO, Rui (2013), “Um nirvana de carteiro”, Colóquio Internacional Presenças do Budismo na Obra em Prosa de Fernando Pessoa, Nietzsche, Pessoa e Freud” orgs. Paulo Borges, Nuno Ribeiro e Cláudia Souza, Centro de Filosofia da Universidade de Lisboa, pp. 157-172.
SAID, Edward (2004), Orientalismo, Lisboa, Cotovia.