TENREIRO, António (c. 1500, Coimbra – c. 1565-1570, Lisboa) foi um fidalgo português que exerceu funções militares no Oriente. Em 1523, estava em Ormuz quando se preparava uma embaixada à Pérsia, concretamente a Tabriz, chefiada por Baltasar Pereira, enviado pelo governador D. Duarte de Meneses (antes de 1488 – depois de 1539). A missão tinha como objetivos a manutenção das relações com a Pérsia, de modo a assegurar a continuação da presença portuguesa em Ormuz e a sondagem do xeque Ismael (1487-1524) no sentido de se formar uma aliança militar, numa época de avanço do Império Otomano em direção ao Oceano Índico. Aparentemente, António Tenreiro incorporou-se na comitiva por vontade própria. Apesar de ter havido um encontro protocolar com o xá da Pérsia, a sua morte, em maio de 1524, quando a embaixada aguardava despacho, levou ao regresso a Ormuz sem se concretizarem os objetivos, uma vez que o sucessor, o xeque Tahmasp I (1514-1576), enveredou por uma política diferente.
O fidalgo permaneceu alguns meses em Tabriz, provavelmente na condição de espião, e, posteriormente, na companhia de mercadores arménios, deixou a cidade rumo a Jerusalém, cidade que nunca chegou a alcançar. Viajou, provavelmente passando por muçulmano para evitar acusações de espionagem, por Nakchivan, lago Van e Diyarbekir, onde foi considerado um agente do xá da Pérsia e deportado para o Cairo, para ser presente perante o grão-vizir otomano Pargali Ibrahim Paşa. Antes de chegar àquela cidade egípcia, onde acabou por ser libertado, passou por Alepo e Damasco. Já livre, embarcou em Alexandria rumo a Chipre, voltou a Alepo, por falta de embarcação que o levasse à Europa, passou por Baçorá e chegou, de novo, a Ormuz, no final de 1525. Completou-se, assim, um longo périplo, de cerca de dois anos, por territórios da Pérsia safávida e do Império Otomano.
António Tenreiro manteve-se em Ormuz até 1528, data em que o novo capitão, Cristóvão de Mendonça (c. 1475-1530), o encarregou de viajar por terra até Portugal, para dar conhecimento ao rei D. João III (1502-1557, r. 1521-1557) de informações sensíveis sobre a zona. A escolha do fidalgo português era pertinente, justificada pelo conhecimento das línguas árabe e turca e das regiões controladas pelos otomanos. A tarefa deveras difícil foi conseguida com êxito. Tenreiro fez o trajeto entre Ormuz e Lisboa, onde se encontrou com o monarca e foi recompensado com o hábito de Cristo e uma tença anual no valor de 30.000 reais.
O viajante, referido por vários autores do século XVI, tais como Francisco de Andrada, Fernão Lopes de Castanheira, João de Barros e Diogo do Couto, foi autor do Itinerário da Índia por terra a este reino de Portugal. A obra conheceu diversas edições, as duas primeiras em Coimbra e em vida do autor, nos anos de 1560 e 1565, esta com acrescentos. Posteriormente, integrou algumas edições da Peregrinação, de Fernão Mendes Pinto (1725, 1762, 1829). Nos séculos XX e XXI, foi publicado em 1923, 1971, 1980, 1991 e 2020. Conheceu ainda uma tradução alemã, em 2002. A obra relata quatro viagens distintas, a saber, a de 1523-1524, à corte do xá Ismael; a de 1524-1525, de Tabriz até ao Cairo; a de 1525-1526 (?), de Chipre a Ormuz e a de 1528-1528, de Ormuz a Lisboa, passando por Baçorá, Alepo, Chipre, Creta, Ferrara, Génova, Valência, Toledo e Vila Viçosa. Estas andanças permitiram a observação e descrição de terras, populações de diversos credos, recursos naturais e agrícolas, produção e comercialização de seda, pesca de pérolas e de diversos modos de vida, desde os mantimentos aos trajes, passando pela caça, banquetes e música. As relações entre pessoas de religiões diferentes e entre poderes rivais interessaram-no, não obstante, as descrições relativamente aos espaços e às gentes foram, maioritariamente, positivas.
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Isabel Drumond Braga
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