Safa Alferd Abu Chahla Jubran

JUBRAN, Safa Alferd Abu Chahla (1963, Marjayoun, Líbano), arabista, docente universitária e investigadora, tradutora.

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Com dezenove anos de idade, quando seu país se encontrava em meio à guerra civil, viajou ao Brasil para visitar parentes e acabou por ficar aí.

No Brasil, estabeleceu residência na cidade de São Paulo, e mesmo antes de dominar completamente o idioma português, ingressou na Universidade de São Paulo (USP), onde se formou em Letras Árabe-Português, na Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (FFLCH).

Em 1992, integrou o quadro efetivo de professores da mesma Faculdade e passou a se dedicar ao ensino da língua, literatura e cultura árabes. No meio acadêmico, envolveu-se nas atividades de pesquisa nas áreas de linguística, fonética, fonologia, tradução, estudos críticos das fontes árabes, história da ciência, e ainda do árabe e hebraico, nos contextos das línguas semíticas.

Sempre com o ensino em mente, concluiu o mestrado com a dissertação intitulada Análise contrastiva do sistema fonológico do árabe e do português e suas implicações pedagógicas (1996).

Seguindo a linha de pesquisa do mestrado, em 2001, concluiu o doutoramento com a tese Aspectos contrastivos fonético-fonológicos do árabe e do português: sistematização dos dados em aplicativo multimídia. Mais tarde, este trabalho tornou-se no manual Árabe e Português: Fonologia Contrastiva (2004).

Em 2009, concluiu o Pós-Doutorado em História de Ciência, na Pontifícia Universidade Católica (PUC) de São Paulo, onde foi pesquisadora, tendo recebido, em 2010, o título de Livre-docente com o trabalho A classificação dos Povos, uma tradução comentada do manuscrito em árabe do século XI sobre história da ciência de Sa’id Alandalusi, publicado com o título Hierarquia dos Povos (2011).

Foi uma das responsáveis pela reformulação da Pós-Graduação de Língua, Literatura e Cultura Árabe que se unificou com o programa da área de Pós-Graduação em Língua Hebraica, Literatura e Cultura Judaica. A Universidade de São Paulo conta com o único programa de Pós-Graduação stricto sensu na área no Brasil. Atuou como coordenadora do Programa de 2013 a 2015, passando, desde então, a exercer a Chefia do Departamento de Letras Orientais da FFLCH.

Além de sua atividade principal como Livre-Docente da FFLCH, na Universidade de São Paulo, e a Chefia do Departamento é membro do Conselho Editorial da Revista Tiraz e do periódico Circumscribere (The International Journal of the History of Science). É membro pesquisador do grupo de pesquisa Etimologia da Língua Portuguesa; líder do grupo de pesquisa Tarjama – Escola de Tradutores de Literatura Árabe Moderna, colaboradora do ICArabe – Instituto de Cultura Árabe / São Paulo, que tem como objetivo estudar, divulgar e promover a cultura árabe no Brasil.

As muitas atividades não impediram que se dedicasse a disponibilizar para os falantes de português cerca de uma dezena de livros da literatura árabe moderna de vários países. Traduziu, entre outros, Azazel (2015), O chamado do poente (2013), E nós cobrimos seus olhos (2012), Yalo, o filho da guerra (2012), Porta do Sol (2008), Miramar (2003), dentre outros. Traduziu ainda, do inglês, a gramática de David Cowan, Gramática do árabe moderno (2007).

No sentido inverso, traduziu para o árabe o livro do escritor brasileiro Milton Hatoum, Chaqiqan (Dois irmãos) (2002).

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Em 2014, Safa Jubran foi a vencedora do “Prêmio Literário de 2014” da Academia Brasileira de Letras, pela tradução de “E nós cobrimos seus olhos“, do egípcio Alaa Al Aswany.

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SFL

Bibl.: Asma’ Min el Tarikh – Safa Gubran (Nomes da História – Safa Jubran), disponível em https://www.youtube.com/watch?v=zDPmx206dwM; A senhora das letras árabes, disponível em http://www.anba.com.br/noticia/16788242/oriente-se/senhora-das-letras-arabes/

Mansour Youssef Challita

CHALLITA, Mansour Youssef (1919, Colômbia – 2013, Rio de Janeiro), diplomata, arabista, tradutor, escritor, jornalista, advogado, bacharel em letras e filosofia.

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Filho de pais libaneses, Youssef e Adèle Challita, Mansour Challita nasceu na Colombia, mas com um ano de idade voltou para o Líbano.

Graduou-se pela Universidade Jesuíta São José, em Beirute, no curso de Bacharelado em Letras – Árabe/Francês – e em Filosofias árabe e francesa. Formou-se, também, em Direito (Estados Unidos) e em Jornalismo (França).

Atuou, em Beirute, na área de Direito e Jornalismo de 1948 a 1958.

Em finais dos anos 1950, a convite do ministro plenipotenciário do Líbano no Brasil, desloca-se ao Rio de Janeiro, com o objectivo de fundar um jornal em língua árabe destinado à comunidade árabe local, porém o projecto não foi adiante.

Em 1960, ao aceitar o convite da Liga dos Estados Árabes para representar a Organização na missão brasileira, retorna ao Brasil como Embaixador, destacando-se em várias atividades em prol da divulgação e aproximação cada vez maior entre as culturas árabe e brasileira, até 1967

Retornou ao Líbano, em 1967, para atuar no Conselho Nacional de Turismo, até que, três anos depois (1970), recebeu um novo convite da Liga dos Estados Árabes para representá-la no Brasil. Quando, em 1975, as missões diplomáticas foram transferidas para Brasília, nova capital do país, Mansour Chalita declina do cargo e funda, no Rio de Janeiro, a Associação Cultural Internacional Gibran (ACIGI), passando a se dedicar ativamente ao trabalho cultural. Escreveu artigos para jornais, participou de debates e conferências, traduziu e escreveu diversos livros.

Intelectual nato, Challita escrevia (em inglês, francês e árabe) desde os dezoito anos, quando ainda vivia no Líbano. No Brasil, também, passou a escrever, em português, para jornais de grande circulação: Jornal do Brasil, O Globo e Correio da Manhã dentre outros. Escreveu sobre temas variados como cultura árabe, problemas internos do Brasil, os conflitos no Oriente Médio, encorajando o desenvolvimento das relações entre o Brasil e o Mundo Árabe em três áreas: política, economia e cultura.

Disponibilizou para os falantes do português as mais importantes obras da literatura árabe ao traduzir o “Alcorão”, “As Mil e Uma Noites” e “Calila e Dimna”. Difundiu entre os brasileiros o amor pela obra de Gibran Khalil Gibran, de quem traduziu dezesseis livros. Publicou diversas antologias, incluindo, “Os mais belos pensamentos de todos os tempos”, “As mais belas páginas da literatura árabe”, “As mais belas páginas da literatura libanesa”, “Todo Gibran”, “Literatura árabe, fonte de beleza e sabedoria”. Foi ainda autor de “Charbel, milagres no século XX”, “O Alcorão ao alcance de todos”, “Amor e vida na obra de Gibran”, “Esse desconhecido Oriente Médio”.

Foram ao todo cinquenta e sete obras em português, quatro em francês e uma em inglês.

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Em 14 de abril de 1966, o presidente da Academia Brasileira de Letras, Austregésilo de Athayde, concedeu-lhe o prêmio “Machado de Assis” por seus esforços na divulgação e introdução das obras árabes na cultura brasileira. Em março de 1967, a Assembleia Legislativa do Estado do Rio de Janeiro concedeu-lhe o título Cidadão do Estado do Rio de Janeiro, no dia da comemoração do aniversário da Liga dos Estados Árabes. Em 1994, recebeu do Ministro da Marinha, a Medalha Mérito Tamandaré.

Mansour Challita amou a pátria adotada. Naturalizou-se brasileiro e fez do Brasil seu último lar.

SFL

Bibl.: KHATLAB, R. (2014); Correio da Manhã (1967); http://ulcm.org/

Alphonse Nagib Sabbagh

SABBAGH, Alphonse Nagib (1919, Líbano), monsenhor, professor, arabista e lexicógrafo.

Foto de 2009 (aos 90 anos)
Foto de 2009 (aos 90 anos)

Nasceu na cidade de Deir El Kamar, onde fez seus estudos primários e secundários no seminário do mosteiro Santíssimo Salvador. Recebeu uma bolsa de estudos na França e, em 1938, dirigiu-se para a Universidade de Estrasburgo, onde estudou religião, e, posteriormente, para Sorbonne / Paris, onde se licenciou em Letras e Teologia, ao mesmo tempo em que aprofundava seus estudos do grego e do latim.

Sua estada na França prolongou-se por sete anos, até estourar a II Guerra Mundial. Soube aproveitar-se do tempo de que dispunha e do ambiente cultural em que se encontrava e fez um curso de língua árabe a partir de métodos ocidentais. Neste período, trabalhou, também, como tradutor das notícias vindas do Mundo Árabe para a Rádio Difusão Francesa.

Regressa para o Líbano em 1945, mas o retorno à terra natal não foi muito tranquilo. A frágil relação de poder entre as diferentes populações que lá habitavam se deteriorava e, para piorar, em 1957, houve um terrível terremoto. Era, então, o superior do mosteiro e atuou exaustivamente na reconstrução de sua comunidade. Durante os conflitos de seu país, deixou seu mosteiro e uniu-se à oposição, mas sentindo-se cansado, pediu para descansar e visitar a família no Brasil, para onde foi e nunca mais voltou.

No Brasil, estabeleceu-se na residência da Igreja Melquita de São Basílio, no Centro do Rio de Janeiro, então, capital da República. Lá exercia atividades religiosas como padre e começou a ministrar aulas de idioma árabe em igrejas e clubes. O Arcebispo Dom Jaime de Barros Câmara convidou-o a ingressar na Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-Rio), onde lecionou Doutrina Social da Igreja. Em 1965, foi convidado pelo diretor da Faculdade de Letras da Universidade Federal do Rio de Janeiro, o Professor Afrânio Coutinho, para organizar, naquela Instituição, o curso de língua árabe. Em 1969, fundou o Setor de Estudos Árabes. Doutorou-se na mesma Faculdade, em 1978, defendendo a tese O Meio Ambiente na Literatura Árabe Escrita no Brasil, que aborda a influência do ambiente brasileiro na literatura árabe escrita no Brasil.

A dificuldade de ensinar a língua árabe sem nenhum material didático fez com que desse seus primeiros passos na direção da lexicografia, ao elaborar seu primeiro livro, O árabe sem mestre (1959), composto por algumas explicações sobre a escrita e o alfabeto árabes, seguidos de um vocabulário de palavras e expressões agrupadas por tema (família, casa, cumprimento, etc.). Da sua continuada pesquisa na área da lexicografia resultou a edição do primeiro Dicionário árabe-português-árabe (1988), do Dicionário português-árabe (2004), com cerca de 30 mil verbetes, editado no Líbano por uma editora especializada em dicionários. Incansável, prossegue na pesquisa lexicográfica e, já aposentado do sacerdócio e da instituição acadêmica, aos noventa e um anos, publica o Dicionário árabe-português (2011), pela editora especializada em temas árabes, Almádena Editora, fundada por seu discípulo, o Doutor João Baptista M. Vargens. A obra foi publicada em parceria com a Biblioteca Nacional, e conta com cerca de 60 mil verbetes.

Entre suas obras, figuram ainda trabalhos de tradução, como a obra de Nagib Mahfouz, agraciado com o Prêmio Nobel de Literatura (1988), As codornas e o outono (Editora Espaço e Tempo, 1989), em parceria com João Baptista M. Vargens; os Contos Marroquinos Modernos (Editora Almádena, 2009), em conjunto com os demais professores do Setor de

Estudos Árabes da Faculdade de Letras da UFRJ.

Formou uma geração de arabistas brasileiros que continuam a sua obra.

Em reconhecimento à dedicação de sua vida à divulgação do idioma e da cultura de seu povo, assim como ao sacerdócio como Pároco Emérito da Igreja São Basílio, recebeu a Moção de Reconhecimento e Louvor da Assembleia Legislativa do Estado do Rio de Janeiro, em 2009. Também foi homenageado, por ocasião do seu nonagésimo aniversário, com o I Simpósio de Arabistas Luso-Brasileiros (2009), realizado no Fórum de Ciência e Cultura da Universidade Federal do Rio de Janeiro.

S. F. L.

Bibl.: VARGENS, João Baptista M. e CAFFARO, Paula da C. (2010), p. 11; HOURANI, A. (1994), pp. 427-9; Jornal da UFRJ (Janeiro-Fevereiro de 2009) Ano 4, Nº 41, pp. 11-14.

Wenceslau José de Sousa Moraes

MORAES, Wenceslau José de Sousa (1854, Lisboa – 1929, Tokushima), oficial da marinha, cônsul, escritor.

Fotografia de 1921
Fotografia de 1921

Oriundo de uma família de militares, W. de Moraes concluiu, em 1875, o curso da Escola Naval. Promovido a guarda-marinha, em Dezembro de 1876 embarcou para Moçambique. Em 1888, já como primeiro-tenente, foi enviado para Macau, ingressando de seguida em missões que o levaram a Sião, Taiwan, Timor, Hong Kong e a outras cidades chinesas, como Fucheu, Xangai ou Dagu. Em 1889, visitou pela primeira vez o Japão (Kobe, Iocoama e Nagasáqui); o fascínio sentido foi imediato. Terá sido também nessa altura que iniciou a sua relação com a anglo-chinesa Vong-Ioc-Chan (Atchan).

A última vez que W. de Moraes visitou a pátria foi em 1891; a partir daí, manteve contacto com o país apenas por correspondência. No final desse ano, foi promovido a capitão-tenente e nomeado imediato da capitania do porto de Macau. Passou ainda a assegurar funções de fiscalização de importação e exportação do ópio, de que foi exonerado em 1894. Também em 1894, juntou-se ao corpo docente do Liceu de Macau, onde travou amizade com Camilo Pessanha, que lhe dedicou, em Clepsydra (1920), o poema “Viola chinesa”.

Publicou em 1895 o seu primeiro livro, Traços do Extremo Oriente, e Dai-Nippon (o grande Japão) em 1897, no âmbito das comemorações do IV Centenário do Descobrimento da Índia (1898).

Folha de rosto da primeira edição de Dai-Nippon (1897), em que W. de Moraes é identificado como sócio da Sociedade de Geografia de Lisboa
Folha de rosto da primeira edição de Dai-Nippon (1897), em que W. de Moraes é identificado como sócio da Sociedade de Geografia de Lisboa

Obra de celebração do Japão, Dai-Nippon conheceu nova edição em 1923 pela Seara Nova, organizada por Almeida d’Eça (1852-1929). Esta reedição, não autorizada pelo autor, foi motivo de ruptura com o amigo.

Em 1898, W. de Moraes trocou Macau pelo Império do Sol Nascente, abandonando a família chinesa, que não deixou, todavia, de apoiar financeiramente. A partir de 1899, assumiu a posição de cônsul interino de Hiogo (Kobe) e Osaka. Em Kobe, terá desposado a gueixa Ó-Yoné (Senhora Bago de Arroz), numa cerimónia xintoísta.

Foto de W. de Moraes no consulado de Portugal em Kobe.  Bilhete-postal enviado à família em Dezembro de 1911
Foto de W. de Moraes no consulado de Portugal em Kobe.
Bilhete-postal enviado à família em Dezembro de 1911

Durante o exercício consular, publicou O culto do chá (1905) – uma edição de autor com ilustrações pelo pintor Yoshiaki e gravuras de Goto Seikodo – e Paizagens da China e do Japão (1906) – uma colectânea de contos e lendas da tradição oral da China e do Japão, entretecidos com apontamentos sobre a sua vida no Extremo Oriente publicados na imprensa (sobretudo O Commercio do Porto e Brasil-Portugal).

Reprodução da capa da primeira edição de O culto do chá (1905)
Reprodução da capa da primeira edição de O culto do chá (1905)

Com a morte de Ó-Yoné (1912) e face à crescente insatisfação profissional, W. de Moraes pediu demissão dos cargos diplomáticos, em Kobe, a 10 de Junho de 1913. Mudou-se então para Tokushima (na ilha de Shikoku), terra da falecida Ó-Yoné, onde a escrita se tornou a sua ocupação diária.

Em 1916, saiu O “Bon-Odori” em Tokushima (uma recolha de 68 cartas, em estilo de diário íntimo) e foi abalado por nova tragédia: Ko-Haru Saito, quarenta anos mais nova e sobrinha de Ó-Yoné, que servira na sua casa em Kobe e que, após a morte da tia, com ele vivera intimamente em Tokushima, foi vítima de tuberculose pulmonar. Entre 1918 e 1919, W. de Moraes homenagearia essas mulheres, ao publicar em separatas da revista Lusa os contos Será Ó-Yoné… será Ko-Haru?… (1918, vol. II) e O Tiro do meio-dia (ainda Ko-Haru) (1919, vol. II). O tributo Ó-Yoné e Ko-Haru saiu em 1923.

Em 1924, publicou Relance da historia do Japão, que inclui o apêndice “Fernão Mendes Pinto no Japão” (1920). Dois anos mais tarde, foram dados à estampa Os Serões no Japão e Relance da alma japoneza. O primeiro, encomendado por Henrique Lopes de Mendonça (1856-1931), editor de Serões, reúne artigos redigidos entre 1906 e 1909 para essa revista ilustrada. Relance da alma japoneza, o último testemunho que escreveu, fecha um ciclo de actividade literária, ao lançar um olhar retrospectivo sobre a cultura japonesa, focando em particular o que descreveu como a “impersonalidade japonesa”.

Nos últimos anos de vida, cada vez mais isolado e fisicamente debilitado, W. de Moraes cortou relações com os europeus e macaenses residentes no Japão. Morreu vítima de uma queda no pátio de casa. As suas cinzas repousam no cemitério de Tokushima juntas às de Ko-Haru, ao lado do túmulo de Ó-Yoné. Em Lisboa, na casa onde nasceu, na Travessa da Cruz do Torel, jaz uma placa em sua homenagem.

W. de Moraes é ainda hoje um importante japonólogo e foi sócio da Sociedade de Geografia de Lisboa, em cujo Boletim colaborou. A par da actividade de escrita, destaca-se o empenho consular em dinamizar a política de internacionalização de Portugal através do investimento nos mercados asiáticos, sobretudo de Macau e Japão. A série Cartas do Japão (primeira série, 1904-1907; segunda série, redigida em 1907-1913 e publicada em 1928) testemunha esse empenho. Nela comenta a actualidade japonesa antes, durante e após a guerra com a Rússia (1904-1905).

Estátua de W. de Moraes no Monte Bizan,  em Tokushima. Foto tirada e cedida pela Professora Doutora Kioko Koiso.
Estátua de W. de Moraes no Monte Bizan,
em Tokushima. Foto tirada e cedida pela Professora Doutora Kioko Koiso.
Placa da Rua Wenceslau de Moraes, em Tokushima.  Foto tirada e cedida pela Professora Doutora Kioko Koiso.
Placa da Rua Wenceslau de Moraes, em Tokushima.
Foto tirada e cedida pela Professora Doutora Kioko Koiso.

O seu espólio reparte-se entre o Arquivo da Biblioteca Central da Marinha, a Biblioteca Nacional de Portugal, o Museu de Wenceslau de Moraes, em Tokushima, e ainda o Museu Municipal de Kobe. A sua obra está integralmente traduzida para a língua japonesa.

Capa de uma tradução japonesa de O Bon-Odori em Tokushima por Takiko Okamura (1998)
Capa de uma tradução japonesa de O Bon-Odori em Tokushima por Takiko Okamura (1998)

MPP

Bibl.: JANEIRA, A. M. (1979); LABORINHO, A. P. (2004); PINTO, M. P. (2013); PIRES, D. (1993); SANTOS (1943), pp. 347-421.

Frei José Marcelino Silva

SILVA, Fr. José Marcelino (1749, Paparia – 1823 ou 1830?), membro da Ordem Franciscana, depois freire conventual de S. Bento de Avis, orientalista, bispo de Macau.

Estudou o Árabe no Convento de N.S. de Jesus, primeiro com o mestre maronita Paulo Hodar e, depois, com um confrade seu e primeiro Mestre português dessa língua, Fr. António Baptista Abrantes. Compôs versos nessa língua por ocasião da inauguração da estátua equestre de D. José I (1775).

Em 1776, apresentou uma tese, Dissertatio Philologico-Theologica de utilitate, necessitate et usu Arabicae Linguae ad perfectam Hebraicae cognitionem acquirendam, nec non ad Sacros Codices recta interpretandos (Lisboa, 1792), a favor do estudo da língua árabe na perspectiva de auxiliar o estudo e a interpretação filológica do Hebraico, um argumento já há muito ultrapassado noutros países, mesmo católicos.

Formou-se em teologia pela Universidade de Coimbra, obtendo o grau de doutor em 1782. Nomeado bispo de Macau (1789), partiu para o Oriente em 1791.

Escreveu o Diario da Viagem de Lisboa para Macau feita pelo Senhor Dom Marcelino da Silva, do Conselho de Sua Magestade e Bispo de Macau.

Permaneceu em Macau até 1803, tendo regressado a Portugal onde veio a falecer. Apesar de uma prolongada estada no Oriente, não temos notícia do seu estudo ou do seu interesse pela língua ou pela cultura desse território.

E-M.v.K

Bibl.: SALGADO, Fr. V. (1790), p. 89-92; SILVA, F. I. (1862), Tomo VI, p. 127 e Idem (1893), Tomo XVI, p. 344; TEIXEIRA, Pe. M. (1940), pp. 277-278; KEMNITZ, E-M.von (2010), pp. 336-340.

Convento de N. Senhora de Jesus

Convento de N. Senhora de Jesus, Lisboa.

O Convento de N. Senhora de Jesus, da Ordem Terceira de São Francisco, em Lisboa, foi o primeiro centro de Estudos Orientais em Portugal, marcando o início de institucionalização desses estudos.

Esta circunstância deveu-se ao seu Principal, Frei Manuel do Cenáculo Vilas Boas, que, entusiasmado com progresso desses estudos na Europa, decidiu introduzir o ensino de línguas orientais: Grego, Hebraico, Siríaco e Árabe através do Plano Geral de Estudos para a Congregação da Terceira Ordem de S. Francisco do Reyno de Portugal (1769).

Inicialmente, estas línguas eram ensinadas por mestres estrangeiros de passagem por Portugal.

O primeiro foi Joaquim Sader de Alepo que ensinou o Árabe e o Siríaco ainda em 1768. Mais tarde, Paulo Hodar, mestre maronita, ministrou aulas do Árabe e do Siríaco a Cenáculo e a outros confrades numa base regular entre 1770 e 1773, o que permitiu lançar um primeiro curso de Árabe nesse Convento, regido por Frei António Baptista Abrantes nos anos 1772-1780. Um outro discípulo de Paulo Hodar, Frei Marcelino José da Silva, foi autor de um interessante opúsculo sobre as vantagens de conhecer o Árabe.

Foram, igualmente, ministradas aulas de Grego e de Hebraico onde se destacaram como discentes, respectivamente, Frei João de Apocalypse e Frei Francisco da Paz, porém, na altura, a ligação do Árabe ao mundo da diplomacia, em franca expansão devido à política de aproximação às potências do Norte de África, imprimiu uma dinâmica especial ao ensino desta língua, bem como ao cuidado que houve em prover o Convento de N. Senhora de Jesus com os melhores materiais didácticos disponíveis, nomeadamente com gramáticas, dicionários, textos impressos etc., tanto por parte das instâncias eclesiásticas, como por parte da Secretaria de Estado da Marinha e dos Negócios Ultramarinos, responsável pela condução das negociações com as potências muçulmanas.

Os resultados alcançados foram apresentados publicamente nas sessões de oratória promovidas no Convento em 1770, por ocasião da visita ao Convento de D. José, herdeiro do trono, em 1773, na presença de dois secretários de Estado e numerosos cortesãos e em 1775, por ocasião da inauguração da estátua equestre de D. José I.

Esta fase dos primórdios foi relatada pormenorizadamente pelo cronista da Ordem, Frei Vicente Salgado, em Origem e Progresso das Linguas Orientaes na Congregação da Terceira Ordem de Portugal (1789, 2ª ed. 1790).

O afastamento de Cenáculo de Lisboa (1777) teve como consequência uma interrupção do ensino das línguas orientais no Convento.

A necessidade de haver “arabistas práticos” levou, todavia, a que, numa perspectiva pragmática, o ensino do Árabe fosse gradualmente reconstituído a partir de 1788, a título particular e, a partir de 1795, com carácter oficial, sendo o curso do Árabe regido por Frei João de Sousa.

Seguiram-lhe na docência, três dos seus discípulos portugueses Frei José de Santo António Moura, Frei Manuel Rebelo da Silva e Frei António de Castro.

As aulas podiam ser frequentadas também por frades de outras ordens religiosas e, até por leigos.

De salientar que a qualidade do ensino oferecido em Lisboa atraiu, inclusive, vários estrangeiros que frequentaram aulas de Árabe no Convento, entre outros, o arabista espanhol Frei José Banqueri, o professor de filosofia e matemática Narciso de Heredia e o arquitecto Melchior de Prado y Mariño, também Espanhóis, o jurista e linguista americano John Pickering, o orientalista francês Louis Dubeux e vários outros cuja identidade se desconhece.

A extinção das ordens religiosas e o subsequente fecho dos conventos masculinos, decretados pelo governo liberal (1834) constituiu um rude golpe na actividade docente exercida no Convento. Por uma autorização especial e, apenas, a título particular, as aulas do Árabe foram ainda ministradas, de forma irregular, até cerca de 1844.

O edifício do Convento, conjuntamente com a sua riquíssima biblioteca, oferecendo um inestimável acervo no âmbito de Estudos Orientais, tornou-se propriedade da Real Academia das Sciencias, fundada em 1789, a actual Academia das Ciências de Lisboa.

O espólio da biblioteca conventual foi inventariado em dois catálogos manuscritos (1825 e 1830). Recentemente, os manuscritos do seu acervo foram objecto de catalogação e estudo crítico, resultando daí o Catálogo de Manuscritos, Série Vermelha em dois volumes (1978 e 1986).

E-M.v.K

Bibl.: SALGADO, Fr. V. (1ª ed.1789, 1790); SILVESTRE RIBEIRO, J. (1872), vol. II; FIGANIER, J. (1945), passim; SIDARUS, A. (1986), pp. 38-43; KEMNITZ, E-M. von (2010), cap. IV.

X Congresso Internacional dos Orientalistas

X Congresso Internacional dos Orientalistas, Lisboa, 1892.

 

O processo de institucionalização dos Estudos Orientais na Europa traduziu-se pela criação de colecções de manuscritos, fundação de bibliotecas especializadas, de sociedades científicas e de museus, na instituição de cadeiras de línguas orientais em diversas universidades e também de fora de intercâmbio de trabalhos e debates entre os estudiosos dos vários Orientes, nomeadamente através da instituição do Congresso Internacional dos Orientalistas. O primeiro, em 1873, teve lugar em Paris, então um dos principais centros de Estudos Orientais a nível mundial.

Foram, sucessivamente, organizados Congressos Internacionais dos Orientalistas em Londres (“a philological Parliament”, II, 1874), St. Petersburgo (III, 1876), Florença (IV, 1878), Berlim (V, 1881); Leyden (VI, 1884), Viena (VII, 1886), Estocolmo e Cristiana (VIII, 1889) e, novamente, em Londres (IX, 1891).

As respectivas Actas constituíram o state of art de cada das especializações representadas, proporcionando uma sucessiva actualização dos conhecimentos.

Não obstante Portugal não oferecer, na altura, nenhum desenvolvimento académico nesta área, em sincronia com as suas relações seculares com vários Orientes, foi o X Congresso Internacional dos Orientalistas convocado, em finais de Setembro de 1892, para Lisboa. Esta decisão não foi, porém, unânime, na medida em que havia apoiantes da organização do X Congresso Internacional dos Orientalistas em Espanha, por ocasião do Quarto Centenário do Descobrimento da América, criando à partida uma divisão entre os membros desse grémio.

Em Portugal, a instituição escolhida para acolher o evento foi a Sociedade de Geografia de Lisboa, fundada em 1875, sendo Presidente de Honra do Congresso, na senda do envolvimento da realeza nos Congressos anteriores, D. Carlos I. O Conde de Ficalho, Vice-presidente da Sociedade de Geografia e um Orientalista amador, foi nomeado Presidente do Comité Executivo do Congresso.

O programa científico contemplava a realização das sessões repartidas por 24 secções, tendo recolhido 76 contribuições de 44 autores estrangeiros e portugueses.

Por razões ainda mal conhecidas, a realização do X Congresso Internacional dos Orientalistas, convocado para Lisboa foi gorada, sendo, por isso, muitas vezes adjectivado de “malogrado”. A justificação oficial, transmitida pelo Secretário do Comité Executivo do Congresso, refere o “adiamento, decretado pelo Governo de Portugal”. Em consequência, o X Congresso teve lugar, em 1894, em Genebra.

Todavia, os preparativos para o X Congresso Internacional dos Orientalistas que não teve lugar, em Lisboa, permitiram revelar um número algo significativo de estudiosos portugueses interessados na problemática orientalista, alguns com formação auto-didacta, outros com estudos especializados, obtidos no estrangeiro e que vieram a desempenhar papel relevante no fomento de Estudos Orientais em Portugal, tais como, entre outros, Francisco Maria Esteves Pereira, David Lopes e Guilherme de Vasconcelos Abreu.

De sublinhar que uma parte dos trabalhos propostos ao Congresso, veio a ser publicada quer pela própria Sociedade de Geografia de Lisboa, quer pela Imprensa Nacional, sendo os restantes trabalhos conhecidos apenas pelos seus títulos. Essas publicações permitiram preservar do oblívio esta fase inicial de Estudos Orientais em Portugal ainda sem enquadramento académico.

E-M.v.K

Bibl.: VASCONCELLOS ABREU, G. de (1892); RAMOS, J. de D. (1996), pp. 123-212; KEMNITZ, E-M. von (2010), pp. 507-509; Idem (2012a), p. 169-173; Idem (2012b), p. 59. SIDARUS, A. (2015, no prelo).

Francisco Manuel de Melo Breyner, 3º Conde de Ficalho

FICALHO, Francisco Manuel de Melo Breyner, 3º Conde de (1837, Serpa – 1903, Lisboa), Par do Reino, botânico, literato e arabista amador.

Conde de Ficalho, retrato s/d.
Conde de Ficalho, retrato s/d.

Formou-se na Escola Politécnica em botânica (1855-1860) onde foi um dos estudantes mais distintos e premiados.

Além dos diversos cargos que ocupou, entre outros, os de Conselheiro efectivo de Estado, de Par do Reino e de Mordomo da Casa Real, distinguiu-se ainda, no âmbito científico, como professor de botânica da Escola Politécnica de Lisboa [lente substituto (1864), e professor catedrático da mesma cadeira (1890)] e como Director do Instituto Agrícola, tendo contribuído para o desenvolvimento do Jardim Botânico de Lisboa.

Como homem de letras, notabilizou-se como escritor. Foi amigo de Eça de Queirós, Ramalho Ortigão e Oliveira Martins e pertenceu ao grupo dos Vencidos da Vida.

A sua formação em botânica levou-o a interessar-se pelas plantas medicinais vindas do Oriente, em especial da Índia, donde nasceu o seu estudo Garcia de Orta e o seu Tempo (1886), que serviu de preparação aos dois volumes de comentários aos Colóquios dos Simples e Drogas da Índia (1891 e 1895). Por ocasião do 3º Centenário de Camões, escreveu ainda a Flora dos Lusíadas (1880).

O seu interesse pela história da expansão portuguesa está na origem de Viagens de Pero da Covilhã (1898) com importantes achegas históricas sobre a missão deste, a mando de D. João II. Consta que terá deixado um estudo inacabado sobre a presença de Portugueses na Índia.

As suas raízes alentejanas despertaram-lhe ainda interesse pelo passado árabe do país, particularmente marcante no sul de Portugal.

Nesse âmbito foi autor de dois estudos sob o domínio muçulmano “Notas históricas acerca de Serpae “O elemento árabe na linguagem dos pastores alentejanos” (publicados na revista Tradição 1889-1904; reeditados em 1997).

Quando em 1892, a Sociedade de Geografia de Lisboa convocou o X Congresso Internacional dos Orientalistas, o conde de Ficalho, na qualidade de vice-Presidente desta instituição, foi nomeado Presidente do Comité Executivo do Congresso.

Foi sócio efectivo da Academia Real das Ciências e da Sociedade de Geografia.

Condecorado com a Grã-cruz da ordem de Carlos III, de Espanha, foi ainda cavaleiro das seguintes ordens: Leopoldo da Bélgica, Leão dos Países Baixos, Águia Vermelha da Prússia, Legião de Honra de França, S. Maurício e S. Lázaro de Itália e Ernesto Pio de Saxe-Coburgo.

 

E-M.v.K

Bibl.: ARNOSO, conde de (1903); Portugal – Dicionário Histórico, Corográfico, Heráldico, Biográfico, Bibliográfico, Numismático e Artístico (1906), Volume III, págs. 451-452; RAMALHO ORTIGÃO, J.D. (1919); CASSIANO NEVES, J. (1945); RAMOS, J.D. (1996), p. 154; KEMNITZ, E-M. von (2010), p. 507; Idem (2012a), p. 168-169.

Maria Anna Acciaioli Tamagnini

TAMAGNINI, Maria Anna Acciaioli (1900, Torres Vedras – 1933, Lisboa), poetisa, filantropa

Retrato da poetisa
Retrato da poetisa

De nome verdadeiro Maria Ana de Magalhães Colaço Acciaioli, filha do juiz Manuel de Barros da Fonseca Acciaioli Coutinho e de Lia de Magalhães Colaço, Maria Anna Acciaioli Tamagnini é reputada como a primeira mulher portuguesa a compor poesia de temática extremo-oriental, inspirada na vivência directa de um espaço asiático – no seu caso, Macau.

A poetisa, educada no seio da alta sociedade lisboeta, frequentou a Faculdade de Letras de Lisboa, onde conheceu Artur Tamagnini de Sousa Barbosa (1881-1940), então seu professor. Contraíram matrimónio (1916) e, com a nomeação de A. Tamagnini para governador de Macau, comissão que cumpriu por três vezes (1918-1919, 1926-1930 e 1937-1940), M. Tamagnini mudou-se para a Cidade do Santo Nome de Deus. Entre Lisboa e Macau, terá vivido cerca de sete anos em Macau, em plena harmonia com as comunidades chinesa e europeia. Terá sido professora de francês e de história da literatura francesa e aprendeu cantonês, o que lhe permitiu entreter e conviver com os chineses frequentadores do Palácio do Governo em Macau. Do casamento com o governador de Macau nasceram cinco filhos, tendo o último nascimento causado a morte prematura da poetisa, pouco antes de completar 33 anos de idade.

A sua vida em Macau desdobrou-se, por um lado, em colaborações com a imprensa periódica (destacando-se revistas femininas de cultura), quer em verso quer em prosa, e, por outro, numa missão filantrópica de apoio ao meio artístico e cultural de Macau e de apadrinhamento de obras sociais, que lhe granjeou a simpatia e admiração da população macaense. A sua acção solidária foi, em 1940, reconhecida com a atribuição do seu nome ao Asilo de Mendicidade, entretanto destruído. Admiradora de Eça de Queirós, Camilo Pessanha, Wenceslau de Moraes e sobretudo de Florbela Espanca, a artista dedicou-se ainda à pintura, chegando a pintar quadros de motivos orientais para desfruto familiar.

Em vida, publicou uma única obra: Lin-Tchi-Fá. Flor de lotus. Poesias do Extremo Oriente (Lisboa, 1925), que teve duas reedições (1991 e 2006), ambas prefaciadas por Natália Correia. A obra abre com uma ilustração da autoria da própria M. Tamagnini e lista no final a “Significação das palavras exoticas” usadas. As poesias desde logo evidenciam afinidades intertextuais e estéticas com as de Cancioneiro chinez (1890), de António Feijó (1859-1917). Aproximam-se, por vezes, do exercício de reescrita, como testemunha o poema “Amor e indiferença”, em diálogo com “A uma mulher formosa”, de Cancioneiro chinez, passando inclusive pelo cultivo de uma estética parnasiana. Os trinta poemas de Lin-Tchi-Fá vão, no entanto, muito além da reescrita e da geografia poética da China, ao evidenciar um interesse particular pela mulher extremo-oriental – macaense, chinesa ou japonesa – e ao investir em diversas formas versificatórias e num jogo constante entre palavra, ritmo e imagem, que ecoa a lírica simbolista. A obra de M. Tamagnini dá provas de uma imaginação e sensibilidade que se podem descrever como femininas, ao mesmo tempo que os seus retratos do feminino extremo-oriental concorrem para a feminização do Oriente em língua portuguesa.

Capa da primeira edição de Lin-Tchi-Fá. Flor de lotus. Poesias do Extremo Oriente (1925)
Capa da primeira edição de Lin-Tchi-Fá. Flor de lotus. Poesias do Extremo Oriente (1925)
Ilustração que antecede a folha de rosto de Lin-Tchi-Fá (1925), assinada “Maria Anna”
Ilustração que antecede a folha de rosto de Lin-Tchi-Fá (1925), assinada “Maria Anna”

Em 2006, na reedição da obra pela Editorial Tágide, a editora declara, na “Nota biográfica” da autora, “arranca[r] assim à sombra do olvido uma extraordinária poetisa do orientalismo”.

MPP

 

Bibl.: CORREIA, N. (2006), pp. 9-12; TEIXEIRA, P. M. (1974), pp. 67-75; THOMPSON, E. (2009)

Sebastião Rodolfo Dalgado

DALGADO, Sebastião Rodolfo (1855, Assagão – 1922, Lisboa), monsenhor (1884) sacerdote, missionário, orientalista, linguista.

Fotografia, sem data.
Fotografia, sem data.

Oriundo de uma distinta família brahmin que deteve, durante várias gerações, um posto de distinção e privilégio na economia da aldeia onde nasceu. O significativo cognome da sua família, “Desai”, foi alterado para o português Dalgado, dado que desde o séc. XVI que Padroado português da Índia ocidental quis eliminar da região os vestígios das antigas linhagens e tradições.

Demonstrando desde cedo uma vocação sacerdotal, ingressou no Colégio de Estudos Eclesiásticos de Rachol (em Salsete, Goa), onde aprendeu Inglês, Francês e Latim, tendo sido ordenado padre em 1881. Pouco depois partiu para Roma, onde adquiriu o grau de doutor em Direito Canónico e em Direito Romano na Universidade de Santo Apolinário, tendo completado ainda a licenciatura em Teologia, durante a qual aprendeu Grego e Hebraico. O seu brilhantismo e distinção académicos fizeram com que, em 11 de Outubro de 1884 (com 29 anos), o Papa Leão XIII o nomeasse seu Capelão Honorário e lhe outorgasse o título de “Monsenhor”. Como era do interesse do Papa melhorar o estado do clero indiano, foi por sua sugestão que o agora Monsenhor Dalgado deveria regressar à Índia. De Roma foi para Lisboa, onde por ordem governamental, a 19 de Novembro de 1884, foi nomeado missionário da Coroa portuguesa na Índia. Regressou ao subcontinente em Abril de 1885, onde ocupou, sucessivamente e em diversas regiões (Ceilão, Calcutá, etc.), vários cargos eclesiásticos e de docência, que lhe permitiram o contacto com diferentes idiomas e culturas da Índia, e a recolha de material que sustentaria a sua obra futura. A 19 de Março de 1886 foi nomeado Vigário-Geral do Ceilão, tendo escrito vários sermões e homilias no dialecto indo-português desta ilha, publicados no Dialecto Indo-Português de Ceylão (1900). A 2 de Janeiro de 1887 a missão portuguesa no Ceilão foi extinta, por concordata da Santa Sé e do soberano português, motivo pelo qual Dalgado regressou a Goa, detendo já domínio sobre o Cingalês e o Malaio. Entre Maio de 1887 e Abril de 1890, foi Vigário-Geral em Calcutá, Bengala, onde aprendeu Hindustano e Bengali. Entre 1890 e 1893, viveu em Savantvadi, com o seu irmão mais velho, Dr. Gelasio D. Dalgado, que era ali cirurgião, onde estudou Marata e Sânscrito. Foi durante estes anos que terá compreendido as semelhanças entre a sua língua natal, o Concani, com o Sânscrito, o que o levou a investigar cientificamente a estrutura e vocabulário do vernáculo. Desta investigação surgiu em 1893 o seu Diccionario Koṃkaṇî-Portuguez e, dois anos antes da sua morte, a elaboração de uma gramática de Concani que não chegou a terminar e cujo manuscrito foi doado à então Biblioteca Pública de Nova-Goa (actual Biblioteca Central de Pangim). Em 1893 foi nomeado Vigário Forâneo de Honavar, mantendo o cargo até 1895, período durante o qual aprendeu Canarês e Tamil.

Frontispício do Diccionario Koṃkaṇî-Portuguez..., 1893
Frontispício do Diccionario Koṃkaṇî-Portuguez…, 1893

O Diccionario Koṃkaṇî-Portuguez despertou a atenção das autoridades lisboetas que lhe encomendaram, em 1895, o Dicionário Português-Konkani, publicado em 1905. A fim de supervisionar a impressão do livro, Dalgado regressou a Lisboa, e no mesmo ano foi eleito Membro da Sociedade de Geografia, tendo no ano seguinte sido nomeado Membro do Instituto de Coimbra. Em 1905, Dalgado foi eleito Prelado Doméstico do Papa. Entretanto, o Governo de Lisboa isentou-o do serviço de missionário no Oriente, tendo-se dedicado, a partir de então, quase exclusivamente ao estudo do Sânscrito e de Filologia, aprendendo entretanto Alemão, Árabe e Persa.

Cartão-postal de Sebastião Rodolfo Dalgado a Hugo Schuchardt. Lisboa, 13 de Outubro de 1920.
Cartão-postal de Sebastião Rodolfo Dalgado a Hugo Schuchardt. Lisboa, 13 de Outubro de 1920.

Com o falecimento de Guilherme de Vasconcelos Abreu (1907), vagou a cadeira de Sânscrito do Curso Superior de Letras, para a qual veio a ser nomeado Dalgado (1907), ocupando mais tarde o lugar de professor de Sânscrito na Universidade de Lisboa. Entre 1911 e 1915, um grave problema de saúde obrigou a que lhe fossem amputadas ambas as pernas, mas a Faculdade concedeu-lhe uma prerrogativa particular para que exercesse as funções de docência em sua casa.

Em 1911 foi nomeado Sócio Correspondente da Academia das Ciências de Lisboa. A mesma academia admitiu-o finalmente como Membro a título póstumo. Em 1917 recebeu o grau de Doutor honoris causa em Literatura pela Universidade de Lisboa. Em 1921 foi nomeado Membro Honorário da Royal Asiatic Society de Londres.

Frontispício do Hitopadexa ou Instrucção Util, 1897.
Frontispício do Hitopadexa ou Instrucção Util, 1897.

Publicou o Diccionario Koṃkaṇî-Portuguez, Philologico-Etymologico, Mumbai (1893), o Hitopadexa ou Instrucção Util, Lisboa (1897), em cuja introdução Guilherme de Vasconcelos Abreu atribui o mérito a Dalgado por ele ter realizado a primeira tradução completa de uma obra em Sânscrito para o Português. O Dialecto Indo-Português de Ceylão, Lisboa (1900), no mesmo ano o Dialecto Indo-Português de Goa, Porto, o Dialecto Indo-Português de Damão, Lisboa (1903), o Diccionario Português-Concani, Lisboa (1905), o Dialecto Indo-Português do Norte, Lisboa (1906). A Influencia do Vocabulario Português em Linguas Asiaticas, Coimbra (1913), foi muito bem recebida entre os orientalistas por toda a Europa. A Contribuição para a Lexicologia Luso-Oriental, Coimbra (1916), a tradução Historia de Nala e Damayanti, Coimbra (1916), o Dialecto Indo-Português de Negapatam, Porto (1917), no mesmo ano o Gonsalves Viana e a Lexicologia Portuguesa de origem Asiatico-Africana, Lisboa, o Glossário Luso-Asiático, vol. I, Coimbra (1919) e o Glossário Luso-Asiático, vol. II, Lisboa (1921). Os Rudimentos da Lingua Sanscrita, Lisboa (1920) e o póstumo Florilégio de Provérbios Concanis, Coimbra (1922).

Dalgado revelou nos seus estudos linguísticos os pontos de contacto e a influência portuguesa sobre as principais línguas do subcontinente indiano, e destas sobre as línguas europeias, tarefa que ninguém antes dele havia tentado a esta escala. Foi o Vocabulario que que lhe deu grande reputação entre os orientalistas europeus, mas a sua mais importante obra é o Glossário Luso-Asiático.

Frontispício do Glossário Luso-Asiático, vol. I, 1919.
Frontispício do Glossário Luso-Asiático, vol. I, 1919.

O lugar deixado vago na cadeira de Sânscrito por Sebastião Dalgado, viria a ser ocupado por Mariano José Luís de Gonzaga Saldanha (1878-1975).

Uma academia centrada nos estudos da língua Konkani fundada em 1988 em Goa, recebeu o nome do Orientalista, a Dalgado Konknni Akademi. Em Portugal, foi homenageado pelo Município de Lisboa, que atribuiu o seu nome a um largo na freguesia de S. Domingos, Benfica.

Fotografia de actividade na Dalgado Konknni Akademi, 2013.
Fotografia de actividade na Dalgado Konknni Akademi, 2013.

R.L.M.

Bibl: MAFRA, A. (2014), pp. 26-42; DORES, H. G. (2008), p. 22; SOARES, A. X. (1924), pp. 11-39; Idem (1936), pp. v-xxii; SARADESĀYA, M. (2000), pp. 82-96; SANTOS, F. M. C. (2010), p. 70; Arquivo Histórico da Faculdade de Letras de Lisboa, Livro de actas do Curso Superior de Letras, 1893-1908, ff. 84 e ff. 88.

Jorge Colaço

COLAÇO, Jorge (1868, Tânger – 1942, Caxias), pintor orientalista, caricaturista e azulejarista.

Fotografia e auto-caricatura, 1905.
Fotografia e auto-caricatura, 1905.

Filho do diplomata e pintor José Daniel Colaço, notabilizou-se nas artes, como desenhador, pintor, caricaturista e azulejarista.

Terminados os estudos liceais em Lisboa, seguiu para Madrid para estudar pintura. Em 1886, graças ao apoio de Conde Daupias, pôde continuar os estudos de pintura, em Paris, com Ferdinand Cormon, mestre de vários bolseiros portugueses. Ali permaneceu durante seis anos, estudando e trabalhando, como caricaturista do jornal Le Figaro. Em 1893, expos uma tela no Salon de Paris.

Na senda da tradição familiar fez uma breve incursão na diplomacia, servindo como vice-Cônsul de Portugal em Tânger (1894-1896), mas, em seguida, optou pela dedicação exclusiva à actividade artística.

Especializou-se em temas árabes e islâmicos ligados à história pátria e à epopeia dos Descobrimentos Portugueses. Foi, entre outras, autor das pinturas do “Filósofo Árabe”, de “O Martírio do Infante Santo em Fez”, de “Nos Campos de Arzila”, da “Conquista da Ilha de Socotorá”, de “D. Sebastião em Alcácer Quibir (1897)” e de “Afonso de Albuquerque em Ormuz”.

Cena Árabe Lápis e carvão sobre papel, assinado, s/d.
Cena Árabe
Lápis e carvão sobre papel, assinado, s/d.

De regresso a Portugal, em Lisboa, expos na 7ª Exposição do Grémio Artístico (1897) e na 1ª Exposição da Sociedade Nacional de Belas Artes (1901, a 1ª Medalha em caricatura) de que foi co-fundador e Director (1906-1910). Foi também Director do Suplemento Humorístico do Jornal “O Século” (1897-1907). Participou na Exposição Portuguesa no Rio de Janeiro (1908) obtendo a Medalha de honra.

Distinguiu-se na azulejaria artística, introduzindo inovações a nível de processos de produção e técnicas. Trabalhou, inicialmente e até 1923, na Fábrica de Louça de Sacavém e, depois na Fábrica Lusitânia e na Fabrica Lusitânia de Coimbra.

Realizou vários painéis de azulejos de temática árabe, tais como “A Batalha de Salado” e a “Tomada de Lisboa”, este último distinguido com a Medalha de Ouro na Exposição Universal de Sevilha, em 1929.

Painel de azulejos “Tomada de Lisboa” Exposição Universal de Sevilha, 1929.
Painel de azulejos “Tomada de Lisboa”
Exposição Universal de Sevilha, 1929.

A sua obra de azulejaria está patente em instituições e colecções particulares em Portugal e, no estrangeiro, nomeadamente em Inglaterra (Palácio de Windsor), na Suiça (Sede das Nações Unidas, Genebra) e no Brasil (Teresópolis, Rio de Janeiro e Bahia).

E-M.v.K

Bibl.: FRANÇA, J.A. (1967); Exposição Comemorativa do Primeiro Centenário do Nascimento de Jorge Colaço, Catálogo, Lisboa, CML, 1968; PAMPLONA, F. (1954, 1ª ed.), vol. I, pp. 228-229; FORJAZ, J. (2004), pp. 123-124; CAMEIRA, I. (2008), pp. 27-31; KEMNITZ, E-M. von (2012 b), p.62.

António Joaquim de Castro Feijó

FEIJÓ, António Joaquim de Castro (1859, Ponte de Lima – 1917, Estocolmo), cônsul, diplomata, poeta, tradutor.

Retrato do autor de Junho de 1899. “Photografia União” (Porto) da Casa Real Fonseca & C.ª
Retrato do autor de Junho de 1899.
“Photografia União” (Porto) da Casa Real Fonseca & C.ª

Oriundo de uma família aristocrática, A. Feijó cursou Direito na Universidade de Coimbra (1877-1883). Formou aí amizades que se estendem a Luís de Magalhães, Conde de Arnoso, Conde de Sabugosa, Eça de Queirós, Luís de Castro Osório, Alberto de Oliveira, Guerra Junqueiro, entre outros. Enveredou pela carreira diplomática, desempenhando funções consulares no Brasil (Rio de Janeiro, Rio Grande do Sul e Pernambuco), entre Julho de 1886 e Dezembro de 1889. Em 1890, foi nomeado Cônsul-Geral de Portugal em Estocolmo, e, em 1901, foi promovido a Ministro Plenipotenciário nas cortes sueca e dinamarquesa.

Não sendo A. Feijó um orientalista, teve, contudo, um papel relevante na divulgação de uma estética literária orientalista e orientalizante, nas vertentes indiana, bíblica e, em particular, chinesa.

Absorveu as suas influências literárias e estéticas principalmente a partir de Paris, capital dos estudos orientais no século XIX e lugar de sucessivas Exposições Universais, que muito contribuíram para consolidar e/ou renovar o gosto europeu pelo exótico oriental. Essas influências permitiram-lhe apropriar-se de um imaginário designado como oriental, que A. Feijó reelaborou em diferentes fases da sua obra e que culminaria com Cancioneiro chinez (1.ª ed. 1890; 2.ª ed. 1903).

Reprodução das capas da primeira e da segunda edições de Cancioneiro chinez (1890 e 1903)
Reprodução das capas da primeira e da segunda edições de Cancioneiro chinez (1890 e 1903)

Cancioneiro chinez reúne um conjunto de poemas em verso rimado que saíram, quase na totalidade, no jornal portuense A Provincia, entre 1885 e 1887. Essas poesias são adaptadas de Le Livre de jade (1.ª ed. 1867, a que se seguiram novas edições: 1902, 1928, 1933), uma colecção de poemas em prosa traduzidos do Chinês para Francês por Judith Walter, pseudónimo de Judith Gautier (1845-1917), uma reputada orientalista, filha de Théophile Gautier (1811-1872).

Cancioneiro chinez é a primeira antologia de poesia clássica chinesa que se conhece em Portugal, embora traduzida a partir do Francês como língua intermédia. É, por isso, um marco importante na história do orientalismo literário em Portugal, explorando um imaginário habitado por figuras, paisagens, motivos e símbolos que se reconhecem como “chineses”, além de idealizar valorativamente o Império Celeste. É também o único texto literário do poeta a conhecer duas edições em vida do autor.

Já em Lyricas e bucolicas (1876-1883) (1884), A. Feijó incluíra pela primeira vez um “poema chinês” – “Sobre o rio Thchú (do poeta chinez Thu-Fú)” –, bem como o poema “O cravo murcho”, cujo imaginário poético não vai além de uma chinoiserie decorativa: “Como um cravo que murcha debruçado/Numa jarra fantástica da China.”

Uma outra colectânea anterior, Transfigurações (1882), colige poesias escritas de 1878 a 1882, entre as quais “Ahasverus” (1881), que a crítica tende a ler em paralelo com o poema “Antiguidade védica. Fragmentos dum poema inédito – A via dolorosa (epopeia da história)” (A Folha Nova, 4/11/1881), onde se manifesta o despontar do interesse do poeta pela diversidade humana e pelas suas origens, que, nesta fase inicial, se orientava para a civilização indiana.

Embora o impacto de Cancioneiro chinez na literatura portuguesa não seja fácil de determinar, são vários os diálogos intertextuais que se detectam na viragem do século: Idyllios chinezes (1897), do poeta brasileiro Luís Guimarães, Filho (1876-1940); Lei-San – Phantasia dramatica em um acto (1903), de Manuel Penteado (1874-1911), peça representada no Teatro D. Amélia a 31 de Março de 1903; e Lin-Tchi-Fá. Poesias do Extremo Oriente (1925), obra única de Maria Tamagnini (1900-1933).

Do ponto de vista temático do Oriente chinês, Cancioneiro chinez é único no repertório poético de A. Feijó. Apenas o poema “Vaso chinês”, que Álvaro Manuel Machado deu a conhecer em Sol de Inverno, seguido de vinte poesias inéditas (1981), retoma de modo explícito esse topos. Outros poemas há que glosam o Oriente sem se aterem à geografia poética da China, ficando pelo Oriente árabe, maioritariamente de inspiração bíblica (vejam-se, como exemplo, os poemas “Cleópatra”, “Moiro e cristã”, “A resposta do árabe” e “A vocação de Ibraim” [Sol de Inverno] ou “Oriental” [Brasil-Portugal, 1/7/1903]).

Em 1915, A. Feijó foi eleito sócio correspondente da Academia Brasileira de Letras.

Os restos mortais do poeta foram trasladados em 1927, juntamente com os de sua mulher D. Maria Luísa Mercedes Joana Lewin (1878-1915), para Ponte de Lima.

Grande parte do seu espólio está no Arquivo Municipal de Ponte de Lima e tem sido estudado por J. Cândido Martins.

MPP

Bibl.: LOPES, A. C. (1972); MARTINS, J. C. (2004), pp. 7-30; PINTO, M. P. (2013); RAMOS, M. D. L. (2001).

João Pereira Leite Neto

LEITE NETO, João Pereira (1838 – 1883 Porto), arabista e bibliotecário.

Desempenhou funções de professor de Árabe e de música no Liceu de Braga. Ignora-se, porém, como aconteceu com o seu colega, José Joaquim da S. Pereira Caldas, onde e com quem adquiriu os conhecimentos desta língua.

Ocupou, mais tarde, funções de bibliotecário na Biblioteca Municipal do Porto.

Foi autor de um trabalho de cariz numismático Catalogo das Moedas Árabes existentes no Museu Municipal Portuense (1882) e escreveu ainda uma Guia de Conversação Portuguez-Arabe, publicado postumamente (1902) pela sua viúva.

Reuniu uma riquíssima biblioteca em que, na parte arabística, figuraram algumas obras raras. Manteve contacto epistolar com diversos intelectuais, entre outros, com o arabista espanhol, Pascual Gayangos.

E-M.v.K

Bibl.: GOMES, J. P. (1982), pp. 195-197; Idem (1986), pp. 158-161; Idem (1991); (SIDARUS, A. (1986), p. ««; KEMNITZ, E-M. von (2010), pp. 506-507; Idem (2012), p. 168.

José Joaquim da Silva Pereira Caldas

PEREIRA CALDAS, José Joaquim da Silva (1818, Caldas de Vizela – 1903, Braga), jornalista, ensaísta, arabista e arqueólogo amador.

Cursou matemática, filosofia natural e medicina na Universidade de Coimbra.

Foi professor de matemática e de árabe no Liceu de Braga. Ignoramos onde e com quem estudou esta língua, do mesmo modo como aconteceu com João P. Leite Neto que ensinou também a língua árabe no mesmo liceu.

Escritor prolífico, foi também autor de várias obras no âmbito de problemática árabe: Duas Lendas Patrias: Aparição de Ourique e as Côrtes de Lamego (1878); Música Árabe – Origem e Criação (Braga, 1883) e um estudo sobre a Poesia Árabe (s/d). Escreveu ainda um opúsculo dedicado à problemática da actualidade daquela época, nomeadamente à revolta no Sudão, contra o colonialismo inglês, intitulada Mahdy. O que é e o que vale esta palavra árabe (Braga, 1885) que alude ao chefe da revolta, auto-proclamado al-mahdi.

Foi sócio de várias agremiações científicas em Portugal, entre outras da Sociedade Martins Sarmento, e no estrangeiro.

E-M.v.K

Bibl.: SILVA, F. I. (1860), vol. IV, pp. 395-414; vol. XIII, pp. 42-46; Archeologo Portuguez (1903), vol. IX, pp. 128-129; GOMES, J. Pinharanda (1982), 193-194; Idem (1986), pp. 155-157; Idem (1991); SIDARUS, A. (1986), p. ««; KEMNITZ, E-M. von (2010), p. 506; Idem (2012), p. 168.

Manuel Nunes Barbosa

NUNES BARBOSA, Manuel (1818, Brasil – 1877, Lisboa), funcionário do Ministério da Guerra e arabista.

Oriundo do extinto Estado Maior Imperial (1834), passou a desempenhar funções no Ministério da Guerra. Em 1838 foi nomeado para frequentar aulas de língua árabe que seguiu sob orientação do Frei Manuel Rebelo da Silva durante três anos. Em 1842 foi enviado para Tânger a fim de aperfeiçoar os seus conhecimentos da língua e dos usos e costumes de Marrocos, estando subjacente a esta nomeação a intenção de o empregar como docente e intérprete. Simultaneamente, foi encarregue de apresentar relatórios sobre a situação política, militar e económica de Marrocos.

Nunes Barbosa permaneceu em Marrocos pouco mais de um ano e insatisfeito com o ensino local, foi autorizado a residir não só em diferentes partes de Marrocos, como também noutras paragens da Berberia como, na altura, se designava a região do Magrebe.

Em 1843, no seguimento da assinatura, por Portugal, do Tratado de Amizade, Paz e Navegação com o Império Otomano, Nunes Barbosa foi indigitado como Cônsul de Portugal naquele país, mas o débil estado de saúde não lhe permitiu aceitar este cargo.

Em 1845, Nunes Barbosa mudou-se para Oran, na Argélia, onde foi testemunha da guerra contra a invasão francesa, tendo deixado algumas observações sobre essa situação, conservadas conjuntamente com outros escritos seus, incluindo estudos gramaticais, textos rudimentares em árabe dialectal e algumas cartas, no espólio existente na Biblioteca Nacional de Portugal. Em Oran estudou com o arabista francês Edmond Combarel, bem como com mestres muçulmanos, dedicando-se, principalmente, ao estudo do árabe dialectal.

Demorou-se, durante algum tempo, na cidade de Argel (1847-1848) e, mais tarde, por motivos de saúde, em Gibraltar. Retornou a Oran, em 1852, para continuar os estudos do dialecto argelino, permanecendo aí até 1855, ano em que regressou definitivamente a Lisboa. Não obstante os muito bons conhecimentos de língua árabe clássica e dialectal que adquiriu e da sua familiarização com a complexa situação do Magrebe, não chegou a desempenhar nenhumas funções oficiais. O projecto de abertura de uma cadeira do Árabe dialectal para a qual Nunes Barbosa deveria preparar materiais didácticos não se concretizou, devido ao indeferimento do Conselho Superior de Instrução Publica, em 1856.

A trajectória de Nunes Barbosa ilustra a transição entre o “arabismo fradesco” e o “arabismo laico”, que em Portugal não chegou, contudo, a vingar por motivos de conjuntura política e económica.

E-M.v.K

Bibl.: PEREIRA, A.C. (1849 a), p. 359; SILVESTRE RIBEIRO, J. (1879), vol. VIII, p. 56 e 59; FIGANIER, J. (1945), p. 130; SIDARUS, A. (1986), p. 45; PEREIRA, R. (2004), pp. 143-154; MANSOURI, O. (2005), KEMNITZ, E-M. von (2010), pp. 412, 415, 417-419 e 437; Idem (2012), p. 166.

Adolfo Loureiro

LOUREIRO, Adolfo (1836, Coimbra – 1911, Lisboa), formou-se em Matemática (Bacharel, 1856) na Universidade de Coimbra e em Engenharia Civil (1859). Entrou ainda na Escola do Exército (1858) onde seguiu carreira militar e nela beneficiou da sua formação académica – o que lhe proporcionou um périplo por mundos sínicos.

Neste âmbito, e no cumprimento da missão de assorear o porto de Macau, que o notabilizou como figura de renome, recebendo do Leal Senado (1884) a honra de ter o seu nome num arruamento.

Foi autor de mais de duas dezenas de publicações de carácter literário e profissional, mas destacou-se com o seu diário de viagem, No Oriente – De Nápoles à China (diário de viagem).

Em Macau, desenvolveu interessantes apontamentos acerca da cultura e sociedade chinesa. Acresce que contactou e privou com várias personalidades da época, nomeadamente com Demétrio Cinatti, Capitão do Porto de Macau e, com Eduardo Marques, reputado sinólogo e intérprete da Procuratura dos Negócios Sínicos de Macau.

Loureiro demonstrou ainda envergar uma postura crítica relativamente à posição política de Portugal em Macau por altura do incidente subjacente à notícia da revolta de Cantão em Setembro de 1883, sem contudo deixar de mencionar que o seu próprio país, por falta de tratado com a China, não tinha ali cônsul para proteger o macaísta envolvido. Manifestou-se face ao sistema do mandarinato revelando e reforçando a ideia da própria singularidade de Macau. A abordagem à corrupção e ao suborno é inevitável e também o sistema judicial e penal mereceu acutilantes apontamentos críticos. A questão da pirataria mereceu-lhe uma especial atenção já que a estes marginais se referiu com frequência, fazendo referência ao episódio do White Cloud, embarcação que garantia a viagem Macau – Hong Kong – Macau.

Rendido aos detalhes linguísticos – e mesmo afirmando que a língua cantonense produzia algum efeito sonoro menos agradável – reverteu o aproveitamento linguístico de palavras chinesas no léxico português. Também a linguagem nhonha, o dialecto crioulo-português de Macau lhe suscitou comentários inclusive sobre a dificuldade na sua compreensão.

Foi Presidente das Associações dos Engenheiros, Arquitectos e Arqueólogos, assim como de diversas sociedades científicas, literárias e artísticas no país e estrangeiro. Exerceu ainda o cargo de Vice-Presidente da Sociedade de Geografia de Lisboa.

A.L.S.

Bibl.: PEREIRA, J.F. Marques (1995); ALVES, Jorge Santos (1995); DIAS, Alfredo Gomes (2003); LOUREIRO, Adolfo (2000).

Francisco Maria Esteves Pereira

ESTEVES PEREIRA, Francisco Maria (1854, Miranda do Douro, -1924, Lisboa), militar orientalista e etiopista

Ao lado do indólogo Guilherme de Vasconcelos Abreu e o mais jovem arabista David Lopes, o Coronel Esteves Pereira foi um dos três orientalistas, no sentido forte da palavra, que brilharam no céu luso na segunda metade do século XIX e parte do XX.

Era um engenheiro militar que se tornou poliglota, homem de letras e orientalista multifacetado e de grande fôlego, sendo membro de várias agremiações científicas, nacionais e estrangeiras. Privilegiou a história e literatura etíopes, tornando-se o único etiopista português de sempre, em termos estrictamente filológicos que não históricos ou antroplógicos, sendo muito apreciado aliás nos meios orientalistas europeus do seu tempo.

De entre as oito dezenas de publicações de vária ordem e bastante consistentes, incluindo textos clássicos grego-latinos ou em sânscrito, assim como do período clássico português (séc. XVI-XVII), vinte ou mais dizem respeito à literatura etíope (historiografia, hagiografia, homilética, poesia). O mor delas remontam ao primeiro período da sua produção científica e constituem edições/traduções (em francês) publicadas em grandes colecções europeias.

De entre as fontes históricas etiópicas, mencionam-se as crónicas dos reis Minas (1888), Susenyos (1882-94) ou Galavdevos (1900). No âmbito hagiográfico, apontam-se as Vidas de vários Padres do deserto (Paulo de Tebas, Onofre, Maria Egípcia, Daniel, Samuel etc.), assim como os “Mártires de Najran”, com as peripécias das reacções dos soberanos etíope e bizantino contra o rei judeu de Himyar. Temos também uma série de homelias genuínas ou apócrifas de S. João Cristomo e, finalmente, as versões de livros bíblicos, como os dos profetas Job, Amós e Ezra (3º livro), ou ainda o livro histórico de Ester.

Grande parte desses textos em língua gueez dependem da tradição copta ou copto-árabe, pelo que isto terá implicado uma certa familiarização nestes domínios, o que consubstancia – deve-se frisar – o caso único de investigação nacional que incidisse sobre o cristianismo oriental, até às décadas mais recentes.

O que espanta é que o biografado se impôs no campo orientalístico, etiópico em particular, no meio da sua exigente actividade profissional e enquanto autodidacta, pois nunca houve ensino da língua etíope em Portugal, até algumas tentativas precárias nos últimos tempos.

Foi sócio efectivo da Academia das Ciências de Lisboa (1922).

O seu legado entrou na Biblioteca da Academia das Ciências de Lisboa aguardando um estudo apurado que poderá revelar trabalhos porventura inéditos, de qualquer modo, boa parte das suas fontes de investigação e de pensamento.

A.S.

Bibl.: LOPES, D. (1939); BOAVIDA, I.(2010),pp. 389 a-b; SIDARUS, A. (2015, no prelo)

José M. Benoliel

BENOLIEL, José. M. (1858, Tânger – 1937, Tânger), hebraísta de origem marroquina.

Chegou a Portugal em 1881 e voltou para a sua terra em 1921. Tinha-se formado em Paris, entre outros, na École Orientale de l’Alliance Israelite Universelle (e não na École des Langues Orientales de Paris).

Foi professor de Francês na Escola Industrial, além de ensinar Hebraico em instituições não identificadas, até à sua nomeação em data incerta na recém-criada Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa.

Parece se ter notabilizado como especialista do dialecto haketia (judeo-hispano-marroquino). Na senda do malogrado X Congresso Internacional dos Orientalistas (Lisboa, 1892), publicou Inês de Castro: Episode des Lusiades, com tradução em versos hebraicos (“Publicações avulsas” da Sociedade de Geografia de Lisboa, nº 235, 1892). E por ocasião do Quarto centenário do Descobrimento da Índia, as Fábulas de Loqman, traduzidas do árabe para português e parafraseadas em versos hebraicos, com revisão do Grão-Rabbino L. Wogue (Lisboa, 1898).

A.S.

Bibl.: Enciclopédia Judaica, s.v. (M.B. Amzalak); Dicionário do Judaísmo Português, pp. 92-93 (E. Mucznik); Ramos, J. A. (1996), pp. 157 e 186.

Júlio Rey Colaço

COLAÇO, Júlio Rey (1844, Tânger – 1907, Tânger), agente diplomático e arabista.

Oriundo de uma família de várias gerações de agentes diplomáticos ao serviço de Portugal em Marrocos, desde meados do século XVIII.

Estudou no Liceu Imperial de Marselha. Serviu, inicialmente, como intérprete do Árabe no Exército Francês na Argélia e, mais tarde, no Consulado de Portugal em Tânger.

Possuía sólidos conhecimentos do Alcorão e da literatura árabe. Em 1892, inscreveu na Secção de Estudos Árabes e do Islão do X Congresso Internacional dos Orientalistas, convocado para Lisboa, dois trabalhos conjuntamente com o seu tio, José Daniel Colaço, “Descripção da Batalha de Alcácer Quibir”, texto árabe e tradução e, “Versão do prologo do livro arábico intitulado “Fructo dos Imperadores e Recreio dos Engenhosos”. A titulo individual, propôs uma Traduction française de quelques-uns des premiers chapitres de l’ouvrage du Cheikh Shihab al-Din Muhammad b. Ahmad al-Khatib al-Ibshishi intitulé Al-Mustatraf fi kulli funun mustadhraf [Uma Selecção de Coisas Agradáveis] et composé à la fin du XIVème siècle.

Correspondeu-se com o arabista espanhol, Pascual de Gayangos. Atribui-se-lhe a colaboração numa gramática árabe, Rudimentos del árabe vulgar que se habla en Marruecos, publicada pelo Padre José Maria Lerchundi, em 1872.

E-M.v.K

Bibl.: RAMOS, J. de D. (1996), pp. 176 e 189; FORJAZ, J. (2004), pp. 137-138; KEMNITZ, E-M. von (2010), p.508; Idem (2012), p. 59.

José de Esaguy

ESAGUY, José de (1899, Faro – 1944, Lisboa?), diplomata e arabista.

Formado em Ciência Política pela Universidade de Toulouse, exerceu inicialmente o jornalismo. Em 1934, foi nomeado Chanceler do Consulado de Portugal em Tânger.

Interessado pela história de Marrocos e pelas relações luso-marroquinas, dedicou a esses temas vários estudos: Marrocos. Marrocos Misterioso, Histórico e Monumental (1933) com ilustrações; Relato Inédito sobre o Dezembarque d’El Rei D. Sebastião em Tânger (1935); Cartas do Diplomata Jorge Pedro Colaço (1937); Tanger Sous la Domination Portugaise 1471-1663 (1937) e, em Castelhano, Libro de los Vedores de Ceuta (1939), e numa versão ampliada em Português: O Livro Grande de Sampayo ou Livro dos Vedores de Ceuta 1505-1670 (1941), baseado num documento inédito por ele encontrado. Nos anos 1938-1939 promoveu escavações no local onde teve lugar a batalha de Alcácer Quibir (1578, Wadi al-Maghazin) cujo desfecho pôs fim à expansão portuguesa em Marrocos.

Na perspectiva de divulgação da língua árabe, elaborou um Vocabulário Português-Árabe (1936) e ainda Elementos de Gramática Árabe (1936).

Escreveu ainda um romance Vida do Infante Santo. Romance Histórico (1936).

Foi membro da Sociedade de Geografia de Lisboa. Pelos seus serviços foi condecorado em Marrocos.

E-M.v.K

Bibl.: COSTA, L.J. da (1938); FORJAZ, J. (2004), p. 174; KEMNITZ, E-M. von (2011), p. 122.