Eça de Queiroz

Eça de Queiroz, José Maria (1845, Póvoa de Varzim – 1900, Neuilly sur Seine, França), escritor, diplomata e jornalista. 

Bacharel em Direito pela Universidade de Coimbra, atuou como cônsul português em Havana, Newcastle, Bristol e Paris. Suas relações com o Oriente são de natureza variada. Perpassa toda sua carreira intelectual e se mostra presente em todos os gêneros textuais que produziu. Segundo se depreende do texto “Um Gênio que era um Santo” (1896), seus primeiros contatos com o Oriente foram por meio de leituras formativas nos tempos de estudante em Coimbra (1861-1866). Bacharel recém-formado, Eça viajou, juntamente com seu amigo e futuro cunhado Conde de Resende, ao Egito com o objetivo de assistir à inauguração do Canal de Suez. Eça e seu companheiro de viagem partiram de Lisboa em 23 de outubro de 1869 e regressaram a Portugal em 3 de janeiro de 1870. Nesta viagem, o escritor passou por Egito, Palestina e Alta Síria, deixando anotações de viagem que vieram a ser publicadas postumamente. A parte referente à viagem ao Egito veio a lume em 1926, enquanto data apenas de 1966 a publicação das anotações acerca da Terra Santa. É notória a importância desta viagem para sua produção intelectual. A visita à Terra Santa é intermitentemente lembrada em suas obras vindouras e dialoga com um dos pontos críticos centrais da obra queirosiana: a religião cristã, suas personagens e temas correlatos.

Outra experiência marcante de Eça com o Oriente data de 1872, quando o autor assumiu o cargo de diplomata em seu primeiro posto consular, Havana. Na ilha cubana, o escritor lidou com emigrantes chineses, os chamados coolies, trabalhando em situação equivalente à escravidão. Os trabalhadores chineses eram de responsabilidade da autoridade portuguesa na ilha, uma vez que saíam do porto da então colónia portuguesa, Macau, em direção à América Central. Assim, por pouco menos de um ano, Eça esteve em contato direto com chineses, experiência da qual saiu o relatório consular A Emigração como Força Civilizadora, redigido em 1874, mas publicado apenas em 1979 dentre outros textos consulares desse período. Outras impressões de Eça sobre a situação dos chineses em Cuba podem ser encontradas em sua correspondência pessoal, como em carta a João Andrade Corvo de 17 de maio de 1873, ou carta a Ramalho Ortigão de 28 de novembro de 1878.

Para além dessas experiências, é sabido que Eça leu e conversou largamente sobre o Oriente com amigos que também viajaram para países orientais, como o Conde de Arnoso, de quem o escritor recebeu a famosa cabaia chinesa com a qual se deixou fotografar em 1889.

Seja por influência de suas viagens, seja por meio de leitura, representações do Oriente podem ser vistas em toda produção ficcional queirosiana. Encontramos menções diversas, por exemplo, nos contos que posteriormente vieram a ser denominados Prosas Bárbaras (1903), nos quais existem referências ao poeta chinês Li Tai-Pé (701-762); n’O Mistério da Estrada de Sintra (1870), seu primeiro romance, escrito a quatro mãos com Ramalho Ortigão; n’O Mandarim (1880); n’A Relíquia (1887); n’A Cidade e as Serras (1900); n’A Correspondência de Fradique Mendes (1901); e no romance póstumo e incompleto Tragédia da Rua das Flores (1980). Ademais, o Oriente surge como elemento descritivo de cenários em outros textos, evidenciando uma tendência na decoração de interiores no fin-de-siècle. Desta forma, encontramos ainda referências orientais em Crime do Padre Amaro (1880); O Primo Basílio (1878); Singularidades de uma Rapariga Loura (1874); Os Maias (1888), entre outros. 

Já na produção jornalística queirosiana, o Oriente é tema de diversas crônicas, como “De Port-Said a Suez” (1870), publicada no Diário de Notícias; uma reflexão sobre a mulher muçulmana no Almanaque das Senhoras (1871); dois textos de As Farpas, panfletos mensais de crítica que Eça, em conjunto com Ramalho Ortigão, publicou entre 1871 e 1872; as Crónicas de Londres (1877), nas quais, em sua maioria, é abordado um conflito bélico entre Rússia e Turquia, além de o sexto texto tratar da fome na Índia; em diversos artigos publicados na Gazeta de Notícias do Rio de Janeiro, como “Cartas de Paris e Londres” (1880), “Um artigo do Times sobre o Brasil” (1880) – que originou a famosa polémica “Brasil e Portugal” entre Eça e Manuel Pinheiro Chagas (1842-1895) sobre a colonização portuguesa na Ásia –, “Os Ingleses no Egito” (1882), “A França e o Sião” (1893), “Chineses e Japoneses” (1894), “A Propósito da Doutrina Monroe e do Nativismo” (1896), “Ainda as Festas Russas – Os Jornais” (1896) e “As Catástrofes ou as Leis da Emoção” (1897); e um artigo intitulado “França e Sião” (1897), que foi publicado na Revista Moderna de Paris. Desta forma, a produção intelectual queirosiana é um importante contributo para o debate sobre o orientalismo em Portugal. 

J.C.V.

 

Referências:

CAMPOS MATOS, A. (1988), Dicionário de Eça de Queiroz, Lisboa, Caminho.

CAMPOS MATOS, A. (2009), Eça de Queiroz. Uma biografia. Lisboa, Afrontamento. 

LIMA, Isabel Pires de (1997), «Os Orientes de Eça de Queirós», Semear, n.º 1, pp. 81-95.

MAGALHÃES, José Calvet de (2000), «Eça de Queirós, cônsul e escritor», Revista Camões, n.º 9-10, pp. 8-22.

VANZELLI, José Carvalho (2021), Portugal e o Oriente: Antero de Quental – Camilo Castelo Branco – Eça de Queirós – Pinheiro Chagas, Curitiba, Appris.

Alberto Franco Nogueira

Franco Nogueira, Alberto Marciano Gorjão (1918, Vila Franca de Xira – 1993, Lisboa), diplomata e político.

Filho de um juiz, Franco Nogueira passou parte da adolescência nos Açores, onde o pai esteve colocado, mas concluiu os seus estudos secundários em Lisboa. Seguindo as passadas do pai e do avô, inscreve-se na Faculdade de Direito da mesma cidade e licencia-se em 1940. No ano seguinte inicia a carreira diplomática, dentro da qual começa por exercer as funções de terceiro e segundo-secretário de legação na Secretaria de Estado do Ministério dos Negócios Estrangeiros, sendo colocado em Tóquio, onde fixa residência como Encarregado de Negócios e Delegado do Governo Português junto do Alto Comando Aliado (1946-1950).

O diário do primeiro ano dessa missão (escrito entre 6 de Janeiro e 26 de Dezembro de 1946) foi publicado postumamente, em 2019, com o título Tóquio – Diário, 1946. Escrito no período sensível que sucede a rendição japonesa após a II Guerra Mundial, o texto corresponde a um registo muito pessoal das impressões do país, sendo quase omissas as tarefas profissionais de que o seu autor se encontrava incumbido. É possível reconhecer no diário um esforço significativo de compreensão da sociedade e do quotidiano japonês, que passou também pela consulta de jornais nacionais escritos em língua inglesa, antes e depois da guerra. São aí relatadas as relações entre os japoneses e as forças de ocupação, os primeiros movimentos de inspiração democrática e também a ameaça que paira sobre grupos comunistas organizados. Mais focadas na descrição de aspectos etnográficos do Japão são as páginas que resultam de deslocações a Yokohama, Kamakura, Karuizawa ou Odawara, bem como as visitas a templos xintoístas e budistas.

Na vida privada haverá mudanças igualmente importantes nessa altura. No dia da sua chegada a Tóquio conhece a mulher com quem se viria a casar – Vera Machado Duarte Wang (1928-2018), filha de uma portuguesa e de um diplomata chinês. O matrimónio teve lugar na capital japonesa em 1947.

Terminada a primeira missão, e com um percurso internacional bem-sucedido, passa de Cônsul de 1.ª Classe (1953) a Cônsul-geral em Londres (1954). Apesar de não regressar à Ásia como diplomata, o trabalho que desenvolveria nos anos vindouros dá conta de um interesse crescente pela China – cuja realidade se torna agora mais próxima, por via do casamento –, onde em 1949 o comunismo se instalara. O seu posicionamento político-ideológico ia claramente no sentido oposto ao do novo regime chinês, considerando por isso fundamental conter a sua expansão, por forma a defender o Sudeste asiático e o resto do Extremo Oriente (cf. Lucena 2001, 870-871). Assumido o gosto pela escrita, publica a sua primeira monografia, A Luta pelo Oriente (1957) – decorrente de um trabalho prévio intitulado Política do Oriente (1952), redigido para efeitos de um concurso de carreira –, porventura a obra que melhor espelha a sua disposição orientalista. É nesta fase que ingressa na vida política, onde ascende ao cargo de Ministro dos Negócios Estrangeiros (1961-1968).

Enquanto Ministro enfrenta um período marcado pelo isolamento do país em matéria de política internacional, que procurará a todo o custo contrariar. Abraçando a ideologia do Estado Novo, Franco Nogueira será o principal rosto da defesa do “Ultramar português”. O seu ideal em termos de política externa assenta na apologia de um conceito de nação multicultural e plurirracial. O discurso presente em obras como O Terceiro Mundo (1967) ou Debate Singular (1970) procura mostrar que Portugal é uma nação constituída por parcelas geograficamente distantes, habitada por populações de origens étnicas diversas, mas unidas pelo mesmo sentimento e pela mesma cultura. Em linha com a proposta do sociólogo brasileiro Gilberto Freyre, o poder exercido nas províncias ultramarinas portuguesas não seria então de natureza colonial, ao contrário do que acontecia nos territórios sob soberania alheia.

O interesse pela China também não esmorece nesta fase. Fortemente implantada em África, a influência chinesa naquele continente constitui uma das condicionantes à margem de manobra da política colonial portuguesa. Embora a partir da década de 1960 surgissem sinais de um eventual reconhecimento da República Popular da China por parte de Portugal, a decisão final de Salazar vai no sentido inverso, decerto motivado por pressões políticas. Assim, em 1964, o Ministro Franco Nogueira toma medidas para suspender as relações diplomáticas com a República Popular da China (cf. Martins 2010, 250-255).

Com a morte de Salazar, acabaria por ser preterido na sucessão, tornando-se o líder do sector mais conservador da Assembleia Nacional. Bate-se então por uma política integracionista relativa ao Ultramar, posicionamento que irá manter até à revolução de 1974. Os anos que se seguiram foram de prisão e de exílio em Londres. Regressa a Portugal em 1981, assumindo as funções de professor em diferentes universidades privadas de Lisboa. Foi nesta cidade que veio a falecer, em 1993, pouco depois de escrever aquela que foi a sua última obra publicada em vida, Juízo Final (1992).

 

CATARINA NUNES DE ALMEIDA (CNA)

 

Bibliografia consultada:

Lucena, Manuel de. 2001. Franco Nogueira: os meandros de uma fidelidade. Análise Social vol. XXXVI (160): 863-891. Disponível em http://analisesocial.ics.ul.pt/documentos/1218729444Y3aQE3ub5Qn57SA0.pdf (consultado a 12 de Julho de 2021).

Martins, Marco António. 2010. Franco Nogueira e o processo de reconhecimento da República Popular da China: uma perspectiva diplomática. Negócios Estrangeiros 18: 239-270. Disponível em http://dspace.uevora.pt/rdpc/bitstream/10174/2608/1/ArtigoNE18%20Marco%20Ant%C3%B3nio%20Martins.pdf (consultado a 12 de Julho de 2021).

 

Catarina Nunes de Almeida (C.N.A.)

Catarina Nunes de Almeida (PhD, Universidade Nova de Lisboa, 2012) é Investigadora Auxiliar na Faculdade de Letras, Universidade de Lisboa, onde também lecciona em cursos de graduação e de pós-graduação. É membro integrado do Centro de Estudos Comparatistas desde 2012 e a investigadora responsável pelo subgrupo «ORION – Orientalismo Português» desde 2019. No CEComp desenvolve um projecto de pesquisa individual sobre «A Viagem ao Oriente na Literatura Portuguesa Contemporânea (1990-2020)». Antes de iniciar o doutoramento em Portugal, foi leitora na Universidade de Pisa (Itália) durante dois anos académicos (2007/2008- 2008/2009). Tem trabalhado sobretudo no âmbito do Orientalismo Português, da Literatura de Viagens e da Literatura Portuguesa Contemporânea. Publicou diversos livros, capítulos de livros e artigos sobre estas temáticas em volumes académicos e revistas indexadas. É também autora de seis livros de poesia.

Elsa Cardoso (E.C.)

Elsa Cardoso é investigadora na Escuela de Estudios Árabes (EEA) do Consejo Superior de Investigaciones Científicas (CSIC), em Granada, usufruindo de um contrato estatal de incorporação Ramón y Cajal. Obteve o seu doutoramento na Universidade de Lisboa em 2020, com uma bolsa de doutoramento financiada pela Fundação para a Ciência e a Tecnologia (FCT). É autora do livro The Door of the Caliph. Concepts of the Court in the Umayyad al-Andalus, publicado pela Routledge (2023), a primeira abordagem académica ao conceito de “corte” do califado omíada de Córdova. Obteve um contrato pós-doutoral de research fellow no centro RomanIslam, da Universidade de Hamburgo (2021-2022), financiado pela agência estatal alemã para a investigação (DFG). Usufruiu de um contrato de pós-doutoramento Juan de la Cierva, financiado pela agência estatal espanhola para a investigação, no Instituto de Lenguas y Culturas del Mediterráneo e Oriente Próximo (ILC) do CSIC, em Madrid.

Gonçalo M. Ramos [G.M.R.]

Gonçalo M. Ramos é doutorando em História, encontrando-se a ultimar uma tese sobre a presença portuguesa no Magrebe ocidental (1415-1521). Licenciado e Mestre em História pela FLUL, é também investigador do seu Centro de História. Foi também bolseiro de doutoramento FCT (2015-2019). Tem participado em eventos nacionais e internacionais (Leeds, Washington DC, Barcelona, Alicante, Paris, Durham), bem como publicado em revistas científicas nacionais e internacionais nas suas áreas de especialização. Tem recebido diversos prémios decorrentes da sua actividade científica, atribuídos pela UL, ASMEA e FCT.

Daniela Spina [D.S.]

Daniela Spina é doutora em Estudos Comparatistas pela Universidade de Lisboa (2020). Na sua tese de doutoramento investigou a formação da historiografia literária em Goa durante o período colonial, sendo a literatura goesa em português um dos seus principais objetos de interesse científico. É membro doutor do Centro de Estudos Comparatistas (ULisboa), onde integra a equipa do projeto “ORION – Orientalismo Português” e do projeto exploratório financiado pela FCT “PORT-ASIA Escrever a Ásia em Português: Mapeando Arquivos Literários e Intelectuais em Lisboa e Macau (1820-1955)”. Colabora com o grupo “Pensando Goa” (Universidade de São Paulo) e faz parte da Comissão Executiva do “Grupo Internacional de Estudos da Imprensa Periódica Colonial do Império Português”.

Telo de Mascarenhas

MASCARENHAS, Telo de (Mormugão 1899 – Camurlim 1979) foi poeta, ensaísta, tradutor, jornalista, jurista e um freedom fighter, tendo participado ativamente da propaganda para a libertação de Goa do colonialismo português. Foi autor de numerosos ensaios sobre as culturas e literaturas indianas, e de contos e poemas que tomam inspiração desse mesmo património literário. Mascarenhas mudou-se de Goa para Portugal em 1920, estudando Direito na Universidade de Coimbra, onde fundou, com Adeodato Barreto e José Teles, o Instituto Indiano, em 1927, e o jornal Índia Nova, em 1928. Nessa mesma época, Mascarenhas encontra-se ativo também na capital, onde funda o Centro Nacionalista Hindu, em 1927, e as Edições Oriente, em 1935. Durante a sua estadia em Portugal, publica: Cantares de Amor, em 1935; Kailâsha: contos e lendas do Hindustão, em 1937; A Mulher Hindu, em 1943; Râma e Sêtá, em 1946.

Conhecedor da língua bengali, a Telo de Mascarenhas se devem também as primeiras traduções para o português da obra literária de Rabindranath Tagore, na década de 1940. Em 1941, publica a tradução de Ghare Baire [A casa e o mundo] pela Editorial Inquérito, a qual publica uma segunda edição já em 1943. Em 1942 publica a tradução de Noukadubi [O naufrágio] e de Chaturanga [As quatro vozes], sempre pela Inquérito, e em 1943 e 1946 uma compilação de contos de Tagore, com o título A Chave do Enigma e Outros Contos. Para as suas Edições Oriente, em 1943 publicou o livro Rabindranath Tagore e a sua Mensagem Espiritual, e para a Editora Atlante, sempre no mesmo ano, traduziu o memorial de Gandhi História da minha Vida (ou das minhas experiências com a verdade).

Em 1948 volta para Goa e, passados dois anos, exila-se em Bombaim, numa Índia já independente do colonialismo britânico. Aqui funda em 1950, o periódico anticolonialista Rêssurge Goa, publicado até 1958 com o propósito de incentivar o debate político à volta da questão goesa. A partir de uma seleção de artigos do dito jornal, publica em 1952 o livro Algemas e Grilhetas. Em 1959 publica o livro de poemas Goa, Terra Minha Amada: sonetos. Regressado a Portugal, è preso em 1960 e condenado, em 1962, a uma pena de 24 anos, tendo sido amnistiado em 1970, depois de um período de detenção inicial na prisão do Aljube e de dez anos transcorridos na prisão de Caxias. No seu regresso definitivo para a Índia, na década de 1970, funda o Círculo de Amizade Indo-Portuguesa, reativando também o jornal Rêssurge Goa e as Edições Oriente. É em Goa que publica os seus últimos livros de poesia, Poemas de Desespero e Consolação, em 1971, e Ciclo Goês, em 1973. Em 1976 publica a sua autobiografia When the Mango-trees Blossomed e, em 2019, Paul Melo e Castro edita Fragmentos de Sinfonia Goesa de Telo de Mascarenhas, uma obra que recupera a novela incompleta Sinfonia Goesa, escrita por Mascarenhas na prisão do Aljube.

D. S.

Referências bibliográficas

CASTRO, Paul e Melo, ed. (2019), Fragmentos de Sinfonia Goesa de Telo de Mascarenhas, Margao, CinnamonTeal Publishing.

DEVI, Vimala. SEABRA, Manuel de (1971), A Literatura Indo-Portuguesa, Lisboa, Junta das Investigações do Ultramar.

MASCARENHAS, Telo (1976), When the Mango-trees Blossomed: quasi-memoirs, Bombaim, Orient Longman.

Ruy Cinatti

CINATTI Vaz Monteiro Gomes, Ruy (1915, Londres – 1986, Lisboa), poeta, antropólogo e agrónomo.

Com a morte da mãe aos dois anos de idade e a subsequente partida do pai para os Estados Unidos, Ruy Cinatti foi entregue aos cuidados do avô materno, Demétrio Cinatti, recém-regressado a Lisboa depois de cumprir as funções de Cônsul-geral em Londres. Demétrio Cinatti, renomado orientalista, com um percurso profissional profundamente ligado à Ásia – primeiro como Oficial da Marinha, depois como diplomata – terá marcado positivamente a formação do neto, impulsionando uma profunda atracção por paragens exóticas (curiosamente, a avó materna era ela própria de ascendência chinesa). Aos sete anos, a morte do avô Demétrio fará com que seja entregue aos cuidados dos avós paternos, que o colocam como aluno interno no Instituto Militar dos Pupilos do Exército.

Concluídos os estudos, e contra a vontade da família paterna, é no Instituto Superior de Agronomia que se inscreve e se licencia, especializando a sua pesquisa no âmbito da Fitogeografia. Esse trabalho inspirará, anos mais tarde, a classificação de duas novas espécies botânicas com o seu nome: Eucalyptus Cinattiensis e Justitia Cinattii.

Depois da formação de base em Lisboa, muda-se para Oxford, onde estudou Etnologia e Antropologia Social. Entre 1943 e 1945, foi meteorologista aeronáutico da Pan American Airways, cargo que lhe abriria as portas do mundo. Homem de ciência, propenso à pesquisa de campo, publicou com frequência tudo o que resultava das suas viagens e inquirições, em especial o trabalho que veio a desenvolver em Timor, o espaço que maior influência exerceu sobre a sua personalidade e a sua escrita.

Em boa verdade, o gosto pela literatura, sobretudo pela poesia, já se fazia notar desde o princípio da década de 1940, não só porque publica então os primeiros livros, mas também porque passa a colaborar em diversos projectos inspirados pela intervenção política contra o regime fascista, entre eles os Cadernos de Poesia, que dirige com Tomaz Kim e José Blanc de Portugal.

Em Timor – território onde viveu de 1946 a 1947 e ao qual regressaria por mais alguns anos, entre 1950 e 1955 –, foi secretário e chefe de gabinete do governador, percorrendo o território a fim de elaborar um levantamento da distribuição botânica na ilha. Entre 1951 e 1955, ascendeu a director dos Serviços de Agricultura, mas incompatibiliza-se com a administração colonial e regressa a Lisboa. Já na capital, passa a integrar a Junta de Investigações do Ultramar, organismo onde vinha publicando alguns dos seus mais importantes estudos – Esboço Histórico do Sândalo no Timor portuguêsExplorações Botânicas em Timor Reconhecimento Preliminar das Formações Florestais no Timor Português, editados em 1950.

Regressa a Timor em 1961, com vista a recolher elementos para a sua tese de doutoramento, nomeadamente através de registo fílmico. Com efeito, entre os filmes da Missão Antropológica de Timor, dirigida por António de Almeida, constam doze horas e meia de imagens filmadas em 1962. As filmagens foram feitas pelo próprio ou por Salvador Fernandes, sendo que algumas sequências captadas por este último mostram Cinatti a ordenar os décors das cenas ou dando indicações aos “actores”. O conteúdo das imagens – que nunca foram montadas – inclui essencialmente apontamentos etnográficos sobre danças, lutas de galos, actividades económicas tradicionais, aspectos da vivência quotidiana ou apontamentos arquitectónicos (cf. Piçarra 2017, 145-149).

Por deixar transparecer uma postura crítica face ao regime, pelo que considerava ser uma exploração excessiva dos recursos do território, as visitas a Timor ficarão cada vez mais condicionadas, até à sua terminante proibição em 1966. Instalado definitivamente em Lisboa, concentra-se sobretudo na escrita de poesia, também como forma de expiar a melancolia do abrupto afastamento. Se Timor era já o pano de fundo em O Livro do Nómada Meu Amigo (1958), a sua evocação torna-se fundamental a partir do regresso à metrópole, sem que os títulos o permitam negar: Uma Sequência Timorense (1970), Timor-Amor (1974) e Paisagens Timorenses com Vultos (1974). Cinatti abre espaço nos poemas para as paisagens e as gentes, aproximando-se delas de uma forma emocionada, mas também simples, despretensiosa, bem-humorada, inaugurando, de certa maneira, uma nova forma de representar os espaços não-europeus na poesia portuguesa contemporânea (cf. Braga 2016, s.p.). Desde então – e até à sua morte, vinte anos mais tarde – publicará bem mais de uma dezena de títulos, que lhe valeram o reconhecimento de vários galardões, entre eles o Prémio Nacional de Poesia (1968), o Prémio Camilo Pessanha (1971) e o Prémio P.E.N. Clube Português de Poesia (1982). Exemplos igualmente notáveis desse trabalho de rememoração, que a distância não impediu, são as obras publicadas já a título póstumo: Motivos Artísticos Timorenses e a sua Integração (1987); Arquitectura Timorense (1987), em co-autoria com Leopoldo de Almeida e Sousa Mendes, onde são compilados diversos materiais e estudos acerca da construção nativa da ilha; e Um Cancioneiro para Timor (1996), que acolhe escritos em prosa, poesia e fotografias do autor. Em 1992, seis anos após a sua morte, seria agraciado com a Grã-Cruz da Ordem do Infante D. Henrique.

CNA

Bibliografia consultada:

Braga, Duarte Drumond. 2016. Ruy Cinatti. Um poeta que instaurou novas formas de se falar da Ásia em Portugal. Jornal i. Disponível em https://ionline.sapo.pt/artigo/500529/ruy-cinatti-um-poeta-que-instaurou-novas-formas-de-se-falar-da-asia-em-portugal?seccao=Mais_i (consultado a 15 de Agosto de 2021).Piçarra, Maria do Carmo. 2017. Uma filmografia colonial de Timor Português. Anuário Antropológico 42 (2): 133-155. Disponível em https://journals.openedition.org/aa/1952 (consultado a 16 de Julho de 2021).

Pedro Gastão Mesnier

Mesnier, Pedro Gastão (Porto, 23 Setembro 1846 – Lisboa, 1884), figura pouco estudada, foi um dos primeiros portugueses a testemunhar as mudanças operadas no Japão com a reabertura do país à modernidade ocidental. Irmão mais velho do engenheiro Raul Mesnier, iniciou os seus estudos no Instituto Bracarense, fundado em 1859 por seu pai Jacques-Robert Mesnier, um industrial francês, e sua mãe Marie Elodie de Ponsard. Adolescente ainda, Mesnier participou na Exposição Industrial Portuense de 1862, obtendo uma menção honrosa pelo seu expositor. Após uma curta estadia em Newcastle para tentar a carreira comercial, regressou a Portugal e fixou-se em Lisboa, onde integrou a redação da Gazeta de Portugal, fundada por António Augusto Teixeira de Vasconcelos. Entre 1864 e 1870, matriculou-se na Universidade de Coimbra e terá sido acolhido pela família Silva Gaio, sem, porém, concluir qualquer curso.

Com a nomeação em 1870 do visconde de S. Januário, que viria a ser o primeiro presidente da Sociedade de Geografia de Lisboa (SGL), como governador-geral da Índia, Mesnier entra ao seu serviço – e do governo português – na qualidade de condutor das obras públicas em Goa. Documentou sob a forma cronística a viagem, que acompanhou, do visconde ao norte da Índia, Viagem de Sua Exa. o Sr. Visconde de Sam Januario ás Praças do Norte: Bombaim, Damão, Diu, Praganã e Surrate (Imprensa Nacional de Nova-Goa, 1871). Ali ter-se-á também dedicado ao magistério da Física e da Química na Escola Matemática e Militar de Goa.

Em 1872, o visconde é nomeado governador de Macau e Timor, cargo que ocupa até 1874 e acumula com o de ministro plenipotenciário junto das cortes da China, Japão e Sião, mantendo Mesnier como seu ajudante-de-campo (secretário particular). Em Macau, Mesnier lecionaria Ciências e Física no Seminário de S. José, ao mesmo tempo que estudava a língua chinesa com o sinólogo e tradutor-intérprete Eduardo Marques. Mesnier terá tido uma vida social ativa e dado livre curso à educação musical que recebera da mãe, animando festas e serões. Foi, durante este período, o redator principal da Gazeta de Macau e Timor, um semanário político, literário e noticioso que funcionou de 20 de setembro de 1872 a 20 de março de 1874.

Encontramo-lo em novembro de 1873 no Japão como secretário da legação portuguesa por ocasião de uma audiência do visconde com o imperador do Japão, a fim de dinamizar as relações comerciais entre Portugal e este império asiático. Desta embaixada, que lhe permitiu viajar pelo Japão e conhecer os seus lugares mais emblemáticos, resultou o seu trabalho mais conhecido, O Japão. Estudos e impressões de viagem. Impresso em Macau em 1874, pela tipografia que no mesmo ano assegurara a publicação do seu livro de poemas Idyllio, a Typographia Mercantil, O Japão é dedicado ao visconde. Neste ensaio, a par do enlevo pelos costumes, paisagens e folclore japoneses, alinha-se, como mostrou Jorge Dias, com os partidários das teorias racistas e de superioridade ocidental, conquanto reconheça o avanço económico, comercial e industrial daquela nação. Este seu livro não colheu, porém, o louvor de Wenceslau de Moraes que, numa missiva de 29 de novembro de 1904, diz que “a meu vêr não merece nenhum [crédito] (entre nós)”. Opinião contrária terá sido a de Antero de Quental, a quem se atribui a autoria de uma recensão elogiosa publicada na Revista Occidental (31.05.1875). Neste ano terá mesmo saído a tradução inglesa do ensaio em The China Review (Hong Kong). O ano de 1874 fora, porém, trágico para Macau, que a 22 de setembro se vira assolado por um tufão. Mesnier documentou-o no Boletim Oficial da Província de Macau e Timor. O auxílio prestado durante a catástrofe ter-lhe-á valido uma medalha de prata por mérito, filantropia e generosidade.

De volta a Lisboa desde 1875, Mesnier torna-se sócio da SGL – primeiro como correspondente (n.º 35) em 1876, passando em novembro de 1880 a sócio ordinário (n.º 451). Em 1876, redige o artigo “A conquista do Yunnan” para a revista literária A Harpa (série II, n.º 6, pp. 78-79). Em 1878, o visconde de S. Januário expõe na sua casa, na rua do Alecrim, uma coleção de peças de arte reunida aquando da estadia na Ásia; Mesnier ajuda-o a produzir o catálogo da exposição, cuja introdução assina (Catalogue des objets d’art des Indes, de la Chine, du Japon et du Siam, 1877). Uma “Breve noticia historica” da Revista Mensal da Secção da Sociedade de Geographia de Lisboa, no Brazil (tomo I, 1881) coloca Mesnier, a 18 de julho de 1878, no Rio de Janeiro a secretariar o visconde, que estava em missão diplomática junto das repúblicas sul-americanas. A visita motivou uma reunião com os sócios correspondentes da SGL residentes no Rio de Janeiro, daí resultando a criação da filial brasileira da SGL. Foi durante esta viagem que Mesnier adoeceu gravemente, ficando retido nos Andes por dois meses. As sequelas deixadas pela doença vitimá-lo-iam ainda jovem.

Por ocasião do tricentenário da morte de Camões, em 1880, o polígrafo publica o opúsculo A Odyssea Camoneana: romagem aos principaes logares que a estada de Luiz de Camões deixou assignalados, decorrente de uma conferência dada no Salão da Trindade, em Lisboa, onde, cinco anos antes, palestrara sobre geografia e antropologia. Ainda em 1875, assinaria o primeiro fascículo de Agentes de transformação e classificação das raças humanas com o seu Ensaio de philosophia anthropologica, no qual infere a respeito da ação do homem sobre o homem como motor de transformação e distribuição morfológica das raças humanas. Discursou na sessão inaugural do Club Académico do Porto no início de 1881; as palavras então proferidas foram transcritas na revista de ciências e letras Pantheon (n.º 7). Colaborou no Jornal de Domingo, dirigido por Pinheiro Chagas (n.º 5, 20.03.1881, pp. 36-38), e em 1882 vê dadas à estampa as suas Considerações ácerca do Tratado de Lourenço Marques.

A obra de Mesnier serviu de fonte a Bento da França para o seu Subsidios para a Historia de Macau (1888), a António Campos Júnior para A Estrella de Nagasaki, a O Japão por Dentro (1906) de Ladislau Batalha e ao Glossário Luso-Asiático (1919) de Sebastião Rodolfo Dalgado. Sampaio Bruno dedica-lhe algumas páginas em Portuenses Illustres (volume III, 1908).

MPP

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Bibliografia

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Paulo Hodar

HODAR, Paulo (forma aportuguesada do seu nome em Árabe Bulus al-Haddar), (? – 1780, Coimbra), presbítero maronita e mestre de línguas orientais, estabelecido em Portugal desde os finais dos anos 60 do século XVIII.

Estudou no Colégio Maronita de Roma, onde, muito provavelmente, Fr. Manuel do Cenáculo o conheceu. Mais tarde, esteve em Madrid, com Miguel Casiri, um outro Maronita, a ensinar línguas orientais. Merece ser lembrado o papel relevante que membros desta comunidade de Cristãos orientais tiveram no fomento dos estudos árabes em toda a Europa católica.

Em Portugal, Hodar leccionou, inicialmente, no Real Colégio de N.S. de Conceição de Alcobaça, onde o Abade Geral, Fr. Manuel de Mendonça introduziu, no Plano de Estudos, o ensino de línguas orientais, incluindo o Árabe e o Grego.

Em 1770 mudou-se para Lisboa, onde, a convite de Fr. Manuel do Canáculo e durante quase três anos, ensinou no Convento de N. S. de Jesus. O impacto da sua docência pode ser avaliada pelo facto de ter formado os primeiros arabistas portugueses, entre outros, Fr. António Baptista Abrantes, o primeiro lente português de língua árabe, e Fr. Marcelino José da Silva, futuro bispo de Macau.

Para apoio das aulas, Hodar escreveu os Dialogos Familiares e ainda um outro opúsculo em Latim, o Cathechismus turcico-Arabico. Cum non ita bene editi, neque degesti, tum Linguae turcicae Studiosis sint utilissimi, per rarique, corrector, et in meliorem ordinem transferrebat. D. Paulus Presbyter Maronita (1770). A primeira parte desta obra contém uma espécie de guia de conversação em Árabe e em Turco osmanlica, sendo a segunda dedicada a questões religiosas numa perspectiva de catequese. A osmanlica, uma importante língua de cultura e de diplomacia que, todavia, não suscitou interesse em Portugal.

Em 1773, P. Hodar foi nomeado professor de línguas orientais na Universidade de Coimbra. A sua docência beneficiou, exclusivamente, os estudos hebraicos que floresceram devido à obrigatoriedade do estudo e dos exames desta língua nos cursos de teologia.

E-M.v.K

Bibl.: SALGADO, Fr. V. (1790), pp. 71-73; FIGANIER, J. (1945), passim; GEMAYEL, N. (1984), pp. 596-600; RODRIGUES, M.A. (1985); SIDARUS, A. (1986), p. 39; KEMNITZ, E-M.von (2010), pp. 156-157; 331-334 e 339-341.

Manuel Dias Júnior

DIAS Júnior, Manuel (1574, Castelo Branco – 1659, Hangzhou), missionário jesuíta na China, vice-provincial da China, escritor. 

Manuel Dias, posteriormente cognominado Júnior (para o diferenciar do seu homónimo, ligeiramente mais velho, coevo na China), nasceu em Castelo Branco, filho de Domingos e de Maria Fernandes. Em 1593, quase com 20 anos, foi admitido no noviciado da Companhia de Jesus, em Coimbra. Designado para as missões, partiu para Goa em Abril de 1601, onde permaneceu até 1604. É provável que aí tenha concluído os seus estudos e sido ordenado sacerdote. Passou depois para Macau, onde residiu até finais de 1610. Neste último ano, designado para a missão da China, entrou no Império Ming, adoptando então o nome de Yang Manuo 陽瑪諾 e dando início ao estudo da língua chinesa, oral e escrita, da qual viria a alcançar um domínio significativo. Assim o confirmam quer as avaliações dos seus superiores quer a sua produção textual. Ao longo de mais de quarenta anos, Dias Júnior viveu em várias partes da China. Além de Pequim e Nanquim, refiram-se as cidades de Shaozhou, Nanxiong, Hangzhou, Nanchang, Xangai, Jiading, Zhenjiang e Fuzhou. Em 1623 tornou-se o primeiro vice-provincial da China, cargo que ocupou até ao ano de 1635 e que voltou a desempenhar entre 1648 e 1655. Morreu em Hangzhou em 1659, aos 84 anos de idade, dos quais praticamente 50 foram passados na China.

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Assinatura de Manuel Dias Júnior

Manuel Dias tem sido considerado pela historiografia como um dos mais reputados jesuítas portugueses da missão da China, em consequência do conjunto de obras que compôs em chinês e ainda de um globo terrestre que construiu, com Niccolò Longobardo (1565-1655), para oferecer ao imperador Tianqi (r. 1620-1627) em 1623. Nesta peça, em laca, que actualmente integra o acervo da British Library, apresentava-se informação geográfica actualizada e mais avançada do que a contemplada no mapa-múndi de Matteo Ricci, do início do século XVII. Entre a produção textual da autoria de Manuel Dias, ganha destaque o manual de astronomia intitulado Tianwen lue 天問略 [Epítome de Questões sobre o Céu]. Concluído em 1614, o livro foi editado no ano seguinte em Pequim. Ali se apresentava uma introdução ao conhecimento cosmográfico e astronómico ocidental, com base no influente Tratado da Esfera, de Sacrobosco, a par de outros textos europeus de nível mais avançado, numa composição devidamente adaptada a uma audiência chinesa. Porém, em larga medida, a fama desta obra adveio de um pequeno apêndice, no qual se aludia a algumas das observações realizadas por Galileu com o seu telescópio e descritas no seu Siderius Nuncius, de 1610, e em cartas publicadas entre 1610 e 1612. As demais obras preparadas por Manuel Dias, em chinês, são de natureza religiosa. Entre estas, podem assinalar-se uma biografia de São José, Sheng Ruose sheng shi 聖若瑟行實 (entre c. 1640 e 1659); o Shengjin zhijie聖經直解 (Hangzhou, 1642), aparentemente a partir do trabalho de Sebastião Barradas (1543-1615), Commentaria in Concordia et Historiam Evangelicam tomus I-IV (Coimbra, 1599 e 1605-1612); a sua explicação sobre os Dez Mandamentos, Tianzhu shengjiao shijie zhi quan 天主聖教十誡直詮 (1642); ou o seu tratado sobre a estela nestoriana descoberta em Xi’an, Jingjiao bei song zheng quan 景教碑頌正詮 (Hangzhou, 1644). De Dias sobreviveu ainda um corpus documental manuscrito em língua portuguesa, em que se incluem mais de quinze cartas, nomeadamente cinco ânuas da China e uma do colégio de Macau.

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Globo terrestre de Manuel Dias Júnior e Niccolò Longobardo (Pequim, 1623)

British Library: https://www.bl.uk/collection-items/chinese-terrestrial-globe

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Tianwen lue 天問略de Manuel Dias Júnior (Pequim, 1615)

Exemplar da primeira edição. Library of Congress: https://www.wdl.org/en/item/7089/

IMP

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REFERÊNCIAS COMPLETAS

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PINA, Isabel e ASSUNÇÃO, Paulo (2021), “Manuel Dias Júnior” in ESPIRITO SANTO, Arnaldo do Espírito, GOMES, Cristina Costa e PINA, Isabel Murta, eds., Res Sinicae, Enciclopédia de Autores, URL: “https://www.ressinicae.letras.ulisboa.pt/manuel-dias-junior-1574-1659”.

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Chinese Christian Texts Database, UK-Leuven: http://heron-net.be/pa_cct/index.php/Detail/entities/358

José Domingos Garcia Domingues

Domingues, José Domingos Garcia, filósofo, arabista e historiador (18 Maio 1910, Silves, Portugal  – 1 Maio 1989, Lisboa)

Originário de Silves, Garcia Domingues termina a licenciatura em Ciências Histórico-Filosóficas na Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa em 1932, onde foi discípulo do arabista David Lopes. A sua dedicação à investigação  tem duas fases. A primeira fase resulta da sua participação no movimento nacional-sindicalista português, entre as décadas de 30 e 40, marcada pela sua aberta germanofilia e admiração pelo nazismo. A segunda, resultante do seu afastamento da vida política, após a sua prisão pelo Estado Novo, destaca-se pela sua dedicação aos estudos árabes e passado islâmico de Portugal.

Proveniente de uma família monárquica, Garcia Domingues inicia a sua actividade política participando no Integralismo Lusitano, em Lisboa. Torna-se professor do Liceu Nacional de Faro, cidade onde em 1932 funda o núcleo algarvio do Movimento Nacional-Sindicalista, de extrema-direita, liderado por Francisco Rolão Preto. Considerando-se parte da “geração fascista”, torna-se secretário da secção cultural do movimento (Duarte 2007, 191). Em 1933 regressa a Lisboa para desempenhar as funções de Inspector-Orientador do Ensino Primário, sendo destituído em 1939, após a sua prisão.

É preso em 1934 e novamente em 1938, devido ao seu envolvimento na revolta reviralhista de Mendes Norton, à direita do ditador António de Oliveira Salazar, que contou com o apoio de monárquicos e nacionais-sindicalistas. No seu livro O Pensamento Alemão. Ensaio sobre o Sentido da Alma Germânica e Espírito da Nova Europa (1942) elogia a “marcha” do nacional-socialismo de Hitler ao lado do fascismo de Mussolini, reflectindo sobre o “arianismo alemão” e a índole universalista do nacional-socialismo (Torgal 2017, 329-354).

Termina a tese de doutoramento em Filosofia, em 1939, Da Essência, da existência e da valência, que não será aceite, aparentemente devido à sua actividade política (Kemnitz 1997, 36). Neste contexto, começa a dedicar-se à investigação do legado islâmico de Portugal, prosseguindo os estudos de árabe com Joaquim Figanier, também discípulo de David Lopes.

Ainda que Portugal na Espanha Árabe (1972-1975), de António Borges Coelho, seja a obra de divulgação mais citada sobre o ocidente peninsular islâmico, o livro de Garcia Domingues, História luso-árabe. Episódios e figuras meridionais (1945), é possivelmente a primeira investigação monográfica no país dedicada exclusivamente à história do passado islâmico. Fruto da leitura atenta das fontes árabes, o livro reúne um conjunto de relatos e personagens do Gharb al-Andalus (ocidente do al-Andalus), com o intuito de divulgar o passado islâmico, ignorado pela narrativa tradicional da Reconquista cristã.

Entre 1949 e 1964, prossegue a sua investigação com várias bolsas do Instituto de Alta Cultura e da Fundação Calouste Gulbenkian, para estudar árabe, especialmente na Universidade de Madrid. Entre 1964 e 1973, inicia o projecto de tese de doutoramento na Universidade de Córdova, sobre a filosofia e misticismo do líder da efémera taifa* de Silves, Ibn Qasi (m. 1151), cuja independência vê como precursora de sentimentos proto-nacionais lusos, à semelhança daqueles que nascem dentro da historiografia do al-Andalus no país vizinho. Entre 1975 e 1984, usufruindo de bolsas da Secretaria Geral da Cultura e da Fundação Gulbenkian, regressa a Espanha, onde trabalha na sua tese “Pensamento teológico, místico e político de Ahmad Ibn Qasi segundo o tratado Khal’ al-Naʻlain,” tratado que se propõe traduzir e comentar, orientado por Félix Pareja e Mártinez Montávez.

Garcia Domingues criou várias instituições, como a Secção de Estudos Árabes da Sociedade de Geografia ou o Instituto de Estudos Árabes do Algarve. Entre 1983 e 1988, ensina árabe na Universidade do Algarve.

As tendências historiográficas do país vizinho revelam-se em Garcia Domingues através da adopção de conceitos semelhantes a “España árabe” ou “España musulmana”, como o título do seu livro, “História luso-árabe”. Tal como no caso espanhol, onde se dá o sequestro do al-Andalus como uma identidade exclusivamente espanhola e proto-nacional (Marín 2014), há também uma apropriação do Gharb al-Andalus como uma identidade proto-portuguesa, de forma a integrá-la na narrativa nacional. Assim, faz coincidir do ponto de vista identitário e territorial o Gharb al-Andalus com a província antiga da Lusitânia e com o Portugal cristão medieval, moderno e contemporâneo, pretendendo que essa formação identitária já existia em época islâmica e antiga. Neste contexto, define um “espírito de cultura luso-árabe,” protagonizando uma nacionalização e “lusoficação” do Gharb al-Andalus (Cardoso, a publicar).

Gharb al-Andalus é também usado como sinónimo de Algarve, como por exemplo em “Ibn ‘Ammar de Silves, O Maior Poeta Árabe do Algarve”       (Garcia Domingues 1997). Assim, Garcia Domingues tenta “corrigir” as fontes de forma a identificar os mesmos limites geográficos entre o Gharb al-Andalus e Portugal, excluindo do Gharb cidades actualmente espanholas abrangidas pelos geógrafos árabes (García Sanjuán 2009, 4-5; a publicar; Garcia Domingues 1967, 332, 338, 345-347).

 O seu interesse sobre o al-Andalus parece centrar-se mais numa identidade moçárabe (cristãos aculturados à cultura árabo-muçulmana) do que sobre as suas características islâmicas ou árabes. Chega a afirmar numa entrevista a ausência do impacto islâmico na cultura portuguesa posterior, identificando-se jocosamente como um arabista anti-árabe (Vakil 2003, 8). Pinharanda Gomes refere mesmo que Garcia Domingues “foi o nosso último moçárabe”, já que as investigações genealógicas de Garcia Domingues fariam remontar as suas origens a uma família moçárabe do séc. XII (Gomes 2010).

Apesar de a historiografia portuguesa já ter apontado que foi à esquerda do regime do Estado Novo que surge o interesse pelo passado islâmico de Portugal (Fernandes e Rei 2011, 547-561), a figura de Garcia Domingues, muitas vezes marginalizada, ainda que pioneira para os estudos árabes e islâmicos em Portugal, revela que esta área científica floresce e ecoa também em meios de índole conservadora, o que não é surpreendente, atendendo à faceta nacionalista presente nos seus estudos.

*taifa: definição que, pejorativamente, as fontes árabes davam aos estados independentes que surgiram no al-Andalus com a descentralização do poder, primeiro após a queda do califado omíada de Córdova (1031) e depois após o debilitamento das dinastias norte-africanas, almorávida e almohada.

E.C.

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Joaquim Figanier

Figanier, Joaquim (21 de Agosto de 1898, Lisboa – 15 de Agosto de 1962, Lisboa)

Fonte: A.A.V.V. 1972. Catálogo da Biblioteca Joaquim Figanier. Lisboa: Instituto Superior de Ciências Sociais e Política Ultramarina.

Joaquim Fernando de Abreu Figanier nasce em Lisboa, a 21 de Agosto de 1898. Concluirá a sua licenciatura em Filologia Românica na Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa, após uma passagem inicial pelo curso de Bibliotecário-arquivista. Na mesma instituição, tomará contacto com a língua árabe pela primeira vez, sob a égide de David Lopes (1867-1942), de quem se tornará discípulo e que tanta influência exerceria nas obras que produzirá nas décadas seguintes. Completará, mais tarde, o curso da Escola Normal Superior, anexa à Faculdade de Letras, destinado à formação dos professores liceais. Exercerá funções no Liceu Passos Manuel, em Lisboa, bem como nos Liceus do Funchal e de Viseu e no Pedro Nunes, de novo na sua cidade natal, como professor de francês e, neste último, como professor-metodólogo. Entre 1932 e 1934, foi Leitor de Português na Universidade de Bordéus. Em antecipação da jubilação de David Lopes, que se daria em 1937, aperfeiçoou o seu domínio do árabe, entre 1936 e 1938, no Institute des Hautes Études Marocaines, em Rabat: ocupará o cargo do seu mestre, na Faculdade de Letras, até 1946, ano em que a docência do árabe se viu transferida para o ILAO (impondo um hiato na oferta desta cadeira na Faculdade que só seria interrompido em 1965, por Pedro Cunha e Serra), recém-criado sob os auspícios da Escola Superior Colonial, renomeada Instituto Superior de Estudos Ultramarinos (1954), depois Instituto Superior de Ciências Sociais e Política Ultramarina (1962) e, finalmente, em 1974, na sequência do 25 de Abril, Instituto Superior de Ciências Sociais e Políticas. Acumulará estas funções com as suas responsabilidades no ensino liceal, primeiro no Liceu de Braga, mais tarde de novo no Liceu Pedro Nunes. A sua última estância estrangeira terá lugar na Universidade Católica de Paris, onde desempenha, de novo, as funções de Leitor de Português. Aposentar-se-á em 1959, por razões de saúde. Joaquim Figanier morrerá em Lisboa, a 15 de Agosto de 1962, a poucos dias de completar 64 anos de idade.

A biografia de Joaquim Figanier quadra bem com o percurso de outros intelectuais portugueses activos nas primícias do Estado Novo: a acumulação do magistério liceal com funções universitárias, ou, em alternativa, com uma actividade intelectual que extravasava o âmbito do ensino de liceu, é uma das marcas d’água de uma série de vultos da cultura portuguesa da época. A título de exemplo, refira-se o caso de Vergílio Ferreira que, a par da sua actividade de romancista, foi também professor no Liceu D. João III de Coimbra, bem como nos liceus de Faro, Bragança, Évora e, finalmente, no Liceu Camões de Lisboa; Newton de Macedo, célebre intelectual da I República, um dos responsáveis pela reforma da universidade que conduzirá à (efémera) primeira institucionalização da Faculdade de Letras da Universidade do Porto, em 1919, por decreto de Leonardo Coimbra, então Ministro da Instrução, leccionou no Liceu Gil Vicente de Lisboa, contando entre os seus pupilos o jovem Vitorino Magalhães Godinho; finalmente, Luís da Câmara Reis, um dos fundadores e principais dinamizadores da revista Seara Nova, foi também professor no Gil Vicente, tendo também ensinado aquele eminente historiador português que, muito mais tarde, o referirá, a par de Macedo, como sendo um exemplo da elevada qualidade do ensino liceal português dos anos 30’, num contraste marcante com os padrões de exigência que Magalhães Godinho encontraria mais tarde no ensino superior.

A originalidade de Joaquim Figanier nesta conciliação profissional reside na área de trabalho que escolheu: os estudos árabes e islâmicos. Contudo, ao contrário de David Lopes, cuja passagem pelos liceus foi bastante fugaz, Figanier manterá intacto o seu vínculo a este ciclo de estudos, como também o comprovam a produção de diversos materiais pedagógicos. Com efeito, compôs, em parceria com António Correia de Oliveira, uma antologia de autores franceses para uso dos estudantes, redigida em francês, bem como um dicionário de francês-português, este último em colaboração com José Monteiro Cardoso. Esta proximidade à cultura e língua francesas também se reflectirá nos tropos e nos motivos da sua historiografia, já pela convivência que manteve com Robert Ricard (1900-1984), um dos principais vultos da historiografia da presença portuguesa no Norte de África (e que sobre ele escreverá “Homme de grande culture […] il aurait dû occuper une place éminente dans l’enseignement supérieur de son pays”; [Ricard 1962, 467]), já pelas suas estadias em Bordéus, Paris e em Rabat,  esta última até 1956 Protectorado francês de Marrocos.

Porém, o enquadramento intelectual de Figanier não ficaria completo sem a sua integração no mundo institucional do colonialismo português tardio. Embora não tendo nunca desempenhado funções oficiais em “províncias ultramarinas” como Angola, Moçambique ou Guiné-Bissau, nem se tenha interessado pela história dessas possessões, nem ter deixado claro, nos seus escritos, nenhuma posição definitiva acerca do assunto, Joaquim Figanier leccionou na Escola Superior Colonial, cuja raison d’être era a formação dos quadros superiores do oficialato que serviria nos diversos pontos do império português, símile das suas congéneres europeias, como o seja a londrina School of Oriental and African Studies. De resto, aquela escola, a par da Junta de Investigações do Ultramar, fundada em 1963, antepassada do recentemente extinto Instituto de Investigação Científica Tropical, e do Arquivo Histórico Ultramarino (fundado em 1931), constituía o repositório mais importante de toda a intervenção portuguesa nos domínios africanos, indianos e extremo-orientais, em áreas tão díspares como a medicina tropical, a geografia dos trópicos, a zoologia, a geodesia, sem esquecer a história, a antropologia e a filologia de línguas autóctones. Finalmente, a sua obra mais comentada, História de Santa Cruz do Cabo de Gué, foi publicada por outro organismo de vincada feição colonialista: a Agência Central das Colónias, fundada em 1924, ainda sob a I República, com o objectivo de divulgar o conhecimento do império português junto do grande público. É interessante constatar como, a despeito de Marrocos não se apresentar já como um horizonte expansionista preferencial (à época, mais apetecível aos desígnios colonialistas franceses e, em menor escala, espanhóis), mas antes como uma entidade política com quem se estabeleciam relações diplomáticas amigáveis desde o abandono de Mazagão (1769), por decisão do Marquês de Pombal e, sobretudo, desde o Tratado luso-marroquino de 1774, uma obra respeitante à presença portuguesa no Magrebe ainda conhece o seu patrocínio neste caldo institucional. Tal poder-se-á ter dado pela circunstância fortuita de Figanier se encontrar assimilado a este dispositivo, fruto da transferência do árabe para o ILAO, mas foi uma escolha editorial que, dadas as suas características, também ilustra a percepção do Magrebe como parte de uma história que também incluía as “províncias ultramarinas”.

Em todo o caso, estas ramificações não devem desviar-nos da centralidade de David Lopes na composição da obra de Joaquim Figanier. Ainda que substancialmente menos prolífico que o seu antecessor, mercê certamente dos muitos afazeres profissionais que o consumiram ao longo da vida, este historiador lavra na terra arada por Lopes. Tal como este publicara uma monografia de síntese acerca da ocupação portuguesa de Arzila, sita na sub-fronteira cristã-muçulmana setentrional, com base nos Anais de Arzila de Bernardo Rodrigues, que também editara e publicara, Figanier publicará outra referente ao mesmo assunto, mas desta vez basculando a sua atenção para a sub-fronteira cristã-muçulmana meridional, mais especificamente para Agadir, designada nas fontes portuguesas como “Santa Cruz do Cabo de Gué/de Guer”. Nela, Figanier refere que, ainda que pré-ocupada por tribos berberes pertencentes a confederações baseadas na região do Sūs, a edificação da fortaleza da Agoa de Narba, em 1505, pelos portugueses, marca, em verdade, o momento fundacional da cidade de Agadir. Será tomada pela dinastia Sádida em 1541, dada a sua localização privilegiada como centro articulador do Magrebe com o comércio subsariano, e como forma de consolidação do prestígio de uma entidade política que, dez anos mais tarde, eliminará o sultanato Oatácida e unificará todo o Magrebe ocidental sob a sua autoridade. Figanier socorre-se principalmente da anónima Crónica de Santa Cruz do Cabo de Gué dagoa de Narba, editada por Pierre de Cenival (1888-1937), e das lacunares fontes árabes do período, demonstrando um conhecimento muito circunstanciado dos espécimes dos Archives Marocaines, bem como do Kitāb al-Istiqa Akhbār Dowal al-Maghrib al-Aqa, a primeira grande história de Marrocos, que o historiador aportuguesa como Istiqueça, da autoria de Aḥmad ibn Khālid al-Nāṣirī al-Salāwī (1834/35 – 1897), o mais importante historiador marroquino oitocentista, contemporâneo de Alexandre Herculano. É um trabalho pioneiro da historiografia portuguesa, importante não apenas para o estudo da presença cristã no Magrebe, mas também para a história de Marrocos no seu todo, por trazer à colação e concatenar as fontes cristãs com as fontes muçulmanas, num primeiro tentame de cotejo/confrontação insuficientemente seguido nas décadas subsequentes.

Na mesma senda se insere a tradução portuguesa de um texto descoberto por outro importante medievalista e arabista francês, de origem judaica, nascido na Argélia, Évariste Lévi-Provençal (1894-1956): trata-se de uma descrição de Ceuta, composta em 1422, setes anos volvidos sob a ocupação portuguesa, em língua árabe, por um antigo habitante da cidade chamado al-Ansārī. O texto conheceria também uma tradução francesa, da autoria do seu descobridor, bem como uma castelhana, da autoria de Joaquín Vallvé Bermejo (1929-2011), medievalista e arabista espanhol nascido em Tetuão, especialista no Magrebe medieval. Esta fonte, de inegável interesse histórico (de resto recentemente reanalisada por Luís Miguel Duarte, em conjunção com fontes portuguesas), traz-nos a anterioridade imediata da presença portuguesa, ainda que filtrada pela lente amarga de um agente que fora expulso da sua cidade natal em Agosto de 1415.

Finalmente, Joaquim Figanier destacou-se também no campo da numismática islâmica. Após uma série de publicações mais dispersas sobre o assunto, o Museu Numismático Português (hoje Museu Casa da Moeda) publica-lhe a obra de fundo acerca das moedas árabes (Figanier 1949), cuidadosamente sub-dividida em dois volumes: o primeiro estende-se desde a “criação do emirado espanhol” (que o autor situa incorrectamente em 711) até à conquista de Granada (1492), atravessando, por essa via, toda a história do al-Andalus; o segundo, parte deste último evento até “aos nossos dias”. Trata-se, ainda hoje, de uma obra de consulta obrigatória.

No entanto, Figanier não foi apenas um dos arabistas portugueses mais importantes da centúria anterior: foi também um dos primeiros autores que historiaram os estudos árabes e islâmicos enquanto área de investigação, tendo publicado uma extensa e bem documentada biografia de Frei João de Sousa (1730/35 – 1812), o célebre frade arabista de meados e finais de Setecentos. Este religioso, nascido e criado em Damasco, filho de pais católicos, tinha como língua materna o árabe, auto-designando-se, nos seus escritos nesta língua, como Yūḥanā al-Dimashqī. Extraordinariamente prolífico, trouxe-nos contribuições para o estudo das palavras portuguesas de origem árabe e para o estudo da documentação árabe com respeito aos portugueses no Magrebe. Figanier interessou-se por esta figura de forma sistemática, enquadrando-o no contexto da orientalística de finais de Setecentos, relacionando as suas origens damascenas com a sua condição de agente régio de alto nível, inaugurando, por esta via, um filão de investigação que teria sucedâneos importantes a posteriori, como mais recentemente Isabel Drummond Braga.

Joaquim Figanier afirmou-se, portanto, como um dos historiadores arabistas mais importantes que Portugal já produzira até então: capitalizando nas aportações de David Lopes, seu mestre e influência central, construiu uma obra historiográfica sólida e diversificada, no contexto dos estudos árabes e islâmicos, complementada pela produção manualística de instrumentos de aprendizagem para o ensino liceal. A criação ou ampliação de temáticas de investigação que empreendeu, mormente no que toca ao Magrebe sob domínio português, a preocupação visível pelo cotejo entre fontes cristãs e muçulmanas, a sua actividade de tradutor, bem como a cientificização precoce de estudos sobre a orientalística, imortalizam-no como uma das figuras incontornáveis do orientalismo de língua portuguesa do século XX.

G.M.R.

Bibliografia de Joaquim Figanier (selec.)

FIGANIER, Joaquim (1945), História de Santa Cruz do Cabo de Gué: Agadir 1505-1541, Lisboa, Agência Central das Colónias.

Idem (1947), “Descrição de Ceuta muçulmana no século XV”, Revista da Faculdade de Letras nº1, pp. 10-52.

Idem (1949), Moedas árabes: inventário e descrição, Lisboa, Museu Numismático Português.

Idem (1949), Fr. João de Sousa: mestre e intérprete da língua arábica, Coimbra, Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra.

Idem, CARDOSO, José Monteiro (1959), Dicionário francês-português, Braga, Livraria Cruz.

Idem, OLIVEIRA, António Correia de (1962), Anthologie des auteurs français: à l’usage des élèves du 3e cycle du lycée, Coimbra, Coimbra Editora.

Bibliografia passiva

A.A.V.V. (1972), Catálogo da Biblioteca Joaquim Figanier, Lisboa, Instituto Superior de Ciências Sociais e Política Ultramarina.

AL-SALĀWĪ, Aḥmad ibn Khālid Al-Nāṣirī (1997), Kitāb al-Istiqa Akhbār Dowal al-Maghrib al-Aqa, Paris, Librairie Orientaliste Paul Geuthner.

BRAGA, Isabel Drummond (2008), Missões diplomáticas entre Portugal e o Magrebe no século XVIII. Os Relatos de Frei João de Sousa, Lisboa, Centro de Estudos Históricos da Universidade Nova de Lisboa.

CÉNIVAL, Pierre de (ed.) (1934), Chronique de Santa Cruz du Cap de Gué (Agadir), Paris, Librairie Orientaliste Paul Geuthner.

DUARTE, Luís Miguel (2015), Ceuta. 1415. Seiscentos anos depois, Lisboa, Livros Horizonte.

GODINHO, Vitorino Magalhães (1968), Ensaios. Vol. I – “Sobre história universal”, Lisboa, Livraria Sá da Costa.

LEVI-PROVENÇAL, Évariste (1931), “Une description musulmane de la ville de Ceuta musulmane au XVe siècle, l’Iḫtiṣār al-aḫbār…publié et traduit, avec une introduction, des notes et un glossaire” Hespéris nº12, pp. 145-176.

NADIR, Mohammed (2013), As relações diplomáticas entre Portugal e Marrocos do Tratado de Paz (1774) ao Protectorado (1912), Coimbra, Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra.

RICARD, Robert (1962), “Joaquim Abreu Figanier (1898-1962)”, Al-Andalus vol. 27 (2), pp. 467-468.

VALLVÉ BERMEJO, Joaquín (1962), “Ijtisār al-Ajbār. Descripción de Ceuta musulmana en el siglo XV por al-Anṣārī”, Al-Andalus, nº27 (2), pp. 398-432.

Gabriel de Magalhães

MAGALHÃES, Gabriel de (1609/1610, Pedrógão Grande – 1677, Pequim), missionário jesuíta na China, escritor, artífice. Filho de Manuel Calvo de Magalhães e de Maria de Andrade Leitão, Gabriel de Magalhães nasceu em Pedrógão Grande (Leiria), onde estudou até à adolescência com um tio cónego. Já entrara na Universidade de Coimbra, quando, em 1625, com 16 anos, foi admitido na Companhia de Jesus. Autorizado pelos seus superiores a tornar-se missionário na Ásia Oriental, embarcou em Lisboa, em Março de 1634, nas naus da Carreira da Índia, rumo a Goa. Foi nesta cidade que foi ordenado sacerdote, antes de prosseguir viagem, em Abril de 1637, para Macau, onde apenas terá chegado já em 1639, após uma escala mais demorada em Malaca. Designado para a missão da China, aí entrou em 1640, com o nome chinês An Wensi 安文思. Instalou-se então na cidade de Hangzhou (província de Zhejiang), na qual deu início ao estudo do chinês tendo por mestre o irmão jesuíta sino-javanês Manuel Gomes (1608–1648/1649). Decorridos dois anos, foi juntar-se a Ludovico Buglio (1606–1682), superior da residência jesuíta de Chengdu (província de Sichuan). Quando a cidade foi tomada pelo poderoso líder rebelde Zhang Xianzhong 張獻忠 (1601–1647), em meados de 1644, os dois jesuítas entraram ao seu serviço devido aos conhecimentos astronómicos. Porém, no início de 1647, com a derrota de Zhang frente à nova dinastia manchu, Gabriel de Magalhães foi conduzido a Pequim sob prisão, juntamente com Buglio. Através da intervenção de Adam Schall von Bell (1592–1666), então ao serviço do imperador Shunzhi (r. 1644–1661) no Departamento Astronómico Qintianjian 欽天監, Magalhães acabou por ser libertado. Permaneceria em Pequim até ao final da vida, trinta anos mais tarde, tendo sempre Buglio por companheiro.

Assinatura de Gabriel de Magalhães

Magalhães veio a sobressair pelo seu talento ao nível da mecânica. Designando-se a si próprio como o “serralheiro”, esteve à frente da botica ou oficina jesuíta em Pequim, depois herdada por Tomás Pereira (1646–1708). Ali construiu autómatos e relógios, dos quais sobreviveram interessantes descrições.

Entre a sua produção textual em língua europeia, ganha relevo a obra Doze Excelências da China, concluída em 1668. O manuscrito em português seguiu, já em 1682, para a Europa com o procurador da vice-província da China, Philippe Couplet (1622–1693). O seu editor foi o abade francês Claude Bernou que, confrontado com um manuscrito muito danificado tentou recuperá-lo, ao mesmo tempo que o reorganizou e introduziu alterações, desdobrando-o em mais capítulos e incluindo um pequeno relato biográfico de Magalhães da autoria de Buglio. O livro veio a ser editado em Paris, em 1688, com o título Nouvelle Relation de la Chine. Seguiram-se outras edições, nomeadamente em língua inglesa, ainda no mesmo ano. Apenas em meados do século XX, surgiu uma versão portuguesa, preparada por Luís Gonzaga Gomes a partir da edição francesa (Macau, 1957). Gabriel de Magalhães foi, ainda, autor de um “Tratado das Letras e Língua Chinesa”, composto para os novos missionários que, infelizmente, se perdeu. Sobreviveram, porém, várias cartas manuscritas de Magalhães, algumas das quais publicadas por Irene Pih. Em língua chinesa, refira-se a obra Fuhuo Lun 復活論 (Pequim, 1677/1678) [Livro da Ressurreição dos Corpos], enquadrado no projecto de tradução da Summa Theologiae de S. Tomás de Aquino, empreendido por Buglio, entre 1654 e 1678.

Folha de rosto da primeira edição de Nouvelle Relation de la Chine (Paris, 1688)

Nouvelle Relation de la Chine, capítulo sobre a língua e escrita chinesa, com explicação dos caracteres

IMP

BIB: MUNGELLO, D.E. (1985), pp. 91-105; O’NEIL, C.E. e DOMÍNGUEZ, J.M. (2001), p. 2468; PIH, I. (1979); STANDAERT, N. (2001); ZÜRCHER, E. (2002); Chinese Christian Texts Database – KU Leuven;

REFERÊNCIAS COMPLETAS (OBRAS AINDA NÃO REFERENCIADAS NA BIBLIOGRAFIA DO PROJECTO)

O’NEIL, Charles E. e DOMÍNGUEZ, Joaquín Mª, eds. (2001), Diccionario Histórico de la Compañia de Jesús, 4 Vols. Roma-Madrid, Institutum Historicum-Universidad Pontificia Comillas.

PIH, Irene (1979), Le Pere Gabriel de Magalhães, un jesuite portugais en Chine au septieme siècle, Paris, Fundação Calouste Gulbenkian-Centro Cultural Português.

STANDAERT, Nicolas, ed. (2001), Handbook of Christianity in China, Volume One: 635–1800, Brill, Leiden-Boston-Colónia.

ZÜRCHER, Erik (2002), “In the Yellow Tiger’s Den. Buglio and Magalhães at the court of Zhang Xianzhong, 1644–1647”, Monumenta Serica 50, pp. 355-374.

Francisco Xavier Paulino Dias

DIAS, Francisco Xavier Paulino (1874, Santa Cruz – 1919, Nova Goa/Pangim), poeta, intelectual, professor, farmacêutico e médico goês católico.

Formado na Escola Médico-Cirúrgica de Nova Goa, foi médico e professor liceal nessa cidade (hoje Pangim): na Escola Normal, no Instituto Comercial e no Liceu Afonso de Albuquerque.  Há indicações de ter sido também artista plástico e, ao que parece, músico. Dono de uma drogaria em Pangim, aí produzia fármacos. Morreu em 1919, de um ataque de febre, em Pangim.

Figura hoje pouco mais do que desconhecida, Paulino Dias escreveu abundante poesia em língua portuguesa e francesa. Muitas das suas publicações (incluindo o livro Vishnulal, de 1919), são assinadas também com o pseudónimo sânscrito Priti Das (variante de Pri Das ou Pritidassa), “Escravo do Amor”. Com maior recorrência assinou sob este nome a obra de temática “indianista”, isto é, que promove um culto da civilização indiana védica, clássica e medieval. Encontramos neste autor, embora ainda nos seus primórdios em Goa, um já bastante sofisticado nacionalismo cultural indiano.

Em termos de saber orientalista, seria limitado considerarmos apenas os artigos sobre Krishna e Buda publicados na revista Luz do Oriente (1915-1916), ou as suas traduções do Mahābhārata, do Guita e do Rig Veda. Todos os seus longuíssimos poemas dramáticos constituem verdadeiras exposições de saber orientalista, cheios de livrescas referências às mais obscuras divindades do Hinduísmo, o que denuncia um forte investimento erudito, além da mediação do saber orientalista europeu.

Os temas clássicos mitológicos, retirados das epopeias e da literatura védica e pós-védica, serão o grande distintivo da sua escrita poético-dramática bem como a releitura dos textos sagrados da literatura bramânica.

Há também já uma tomada de posição face a temas-chave do orientalismo indológico oitocentista, como o da submissão, in illo tempore, dos Drávidas aos Arianos. Aderindo a esta leitura, parece contudo tomar partido, no poema dramático Indra (1935, póstumo), pelos Drávidas e seus deuses antigos, pintando os deuses do bramanismo clássico como divindades da guerra, movidos por paixões e pela violência, no que se articula com uma crítica à violência do sistema castista, que é na verdade abundante na sua obra (BRAGA, 2020).

D.D.B.

BRAGA, Duarte Drumond, ed. (2020), Obra Reunida de Paulino Dias, São Paulo, Alameda.

Fernando Pessoa

PESSOA, Fernando (Lisboa, 1888-1935), poeta, escritor e intelectual.

Fernando Pessoa não é um orientalista, mas um escritor e poeta português central – talvez o mais central de todos – no campo da literatura portuguesa e cuja escrita acusa indesmentíveis marcas do saber orientalista, entendido não apenas como a atividade daquele que escreve e estuda uma entidade chamada “Oriente” mas também, num segundo plano, a produção de construtos etnocêntricos e essencialistas sobre certas culturas não-europeias (SAID, 2004).

Encontram-se diversas referências ao “Oriente” em seus manuscritos, datiloscritos, notas de leitura ou marginalia da biblioteca privada, relacionando-se com mundos tão diversos quanto a Índia, a China, o Japão ou a Pérsia. Em Pessoa, ele não emerge como uma questão dada a priori, mas como um conjunto de questões. Constitui, portanto, o que se poderia designar como um tema pessoano em segundo grau (BRAGA, 2019), uma vez que não estamos perante um corpus textual definido, mas mais um conjunto de referências esparsas, em torno sobretudo da reflexão histórico-civilizacional.

É certo que tal ultrapassa o campo estrito da poesia – onde se sente, sobretudo em «Opiário» de Álvaro de Campos, a presença de tópicos característicos do que seria um orientalismo português (BRAGA, 2019) – e se prende ao mundo radicalmente fragmentário da ensaística pessoana.

Apontando alguns exemplos de corpora textuais fragmentários que aqui têm cabimento, veja-se por exemplo o interesse pela cultura islâmica, ou Arabismo pessoano: desponta já em 1906, atravessa (via o heterónimo António Mora) o investimento da década de 1910 em torno das correntes estético-doutrinárias Sensacionismo e Neopaganismo, fundamenta certas posições iberistas pelo menos até 1918 e refloresce no sebastianismo de Pessoa em 1928 (BOSCAGLIA, 2016).

Já as visões da Índia prendem-se com uma grande variedade de outras questões, nas quais a Índia (ou «Índias») é usada como símbolo de certas posições socioculturais, antropológicas ou mesmo religiosas.

Ao atentar nos escritos em prosa de Ricardo Reis ou de António Mora sobre Budismo e Hinduísmo nota-se a presença de tópicos da indologia oitocentista, face a conceitos centrais do Hinduísmo e do Budismo, muitas vezes indistintos (LOPO, 2013), como o de nirvana, orientalisticamente lido como esvaziamento da personalidade por parte do «oriental». Nos mesmos textos encontra-se uma crítica do indocentrismo teosófico.

Já a Pérsia do Khayyam pessoano (traduções, novas versões, recriações e fragmentos ensaísticos) implica, sem dúvida, um diálogo com o orientalismo inglês, por via da figura do poeta e tradutor Edward FitzGerald, cuja tradução do poeta persa é a base do interesse de Pessoa em torno à sua figura.

D.D.B

Bibliografia

BOSCAGLIA, Fabrizio e BRAGA, Duarte Drumond, orgs. (2016), Pessoa Plural, n.º 9 (primavera), Providence/Warwick/Bogotá, Brown University, Warwick University, Los Andes University.

BRAGA, Duarte Drumond (2019), As Índias Espirituais. Fernando Pessoa e o Orientalismo Português, Lisboa, Tinta da China.

LOPO, Rui (2013), “Um nirvana de carteiro”, Colóquio Internacional Presenças do Budismo na Obra em Prosa de Fernando Pessoa, Nietzsche, Pessoa e Freud” orgs. Paulo Borges, Nuno Ribeiro e Cláudia Souza, Centro de Filosofia da Universidade de Lisboa, pp. 157-172.

SAID, Edward (2004), Orientalismo, Lisboa, Cotovia.

Adeodato Barreto

BARRETO, Júlio Francisco António Adeodato (1905, Margão – 1937, Coimbra) foi poeta, escritor, educador, jurista e notário. Foi uma das personalidades goesas que mais se destacou no campo da poesia em língua portuguesa, tendo sido o primeiro poeta goês a abandonar a forma do soneto e a privilegiar o verso livre. Instalou-se em Portugal a partir de 1922. Licenciou-se pela Faculdade de Direito (1928) e pela Faculdade de Letras (1929) da Universidade de Coimbra, cidade onde fundou o Instituto Indiano, as Edições Swatwa e Índia Nova: jornal da expansão da cultura indiana (1928-1929), junto com Telo de Mascarenhas e José Teles. De acordo com Sandra Lobo (2009), a ideia de fundar o Instituto Indiano no seio da Universidade de Coimbra conjugava a necessidade de começar, no nível académico, uma tradição de estudos indianos em Portugal, com uma chamada de responsabilidades aos portugueses para finalmente cumprirem o seu dever de promover o conhecimento das culturas dos povos atingidos pelo projeto de expansão colonial e, portanto, favorecer a cooperação entre estes. A atividade do Instituto Indiano marcou profundamente uma geração de jovens intelectuais goeses enraizados na metrópole e, em simultâneo, de jovens intelectuais portugueses que se aproximavam, naquela altura, do estudo das culturas indianas, numa ótica que transcendia a investigação científica de cariz colonialista. Como reportam Vimala Devi e Manuel de Seabra, o jornal Índia Nova, o qual surgiu a partir da experiência do Instituto Indiano, contou com a colaboração de numerosos goeses, entre os quais se destacam Santana Rodrigues, Santa Rita e Sousa, Mário da Silva Coelho, Maria Ermelinda dos Stuarts Gomes, Luís Timóteo de Sousa e Luís Colaço, tendo abordado, ao longo dos seus números, diferentes temas e problemas, entre os quais o nacionalismo indiano e o ensino das línguas vernáculas em Goa.

Adeodato Barreto dedicou a sua breve vida à revitalização de uma consciência indiana entre os goeses, por meio do trabalho de tradução e divulgação das obras clássicas da filosofia hindu e da literatura em sânscrito, tendo sido influenciado pelo pensamento nacionalista de Rabindranath Tagore, com o qual manteve correspondência, e pelos trabalhos dos orientalistas franceses Silvain Lévi e Romain Rolland. Deste último, traduziu para o português, em 1925, a sua obra sobre Gandhi, tradução que não chegou a ser publicada. A ideia de civilização encontra-se no centro da produção intelectual tanto de Adeodato Barreto quanto do próprio grupo de Coimbra. O seu ensaio Civilização Hindu: autodomínio, tolerância, humanismo e síntese de 1935, compilado a partir de uma série de artigos publicados na revista Seara Nova, é representativo de uma conceção universalista e não imperialista do mundo, a qual reconhece ao legado cultural indiano o potencial didascálico necessário para guiar os povos em direção a uma nova época de paz e harmonia.

Depois das experiências em Coimbra, Adeodato Barreto mudou-se para o Alentejo, onde trabalhou como professor no Liceu de Évora, e a seguir como notário em Montemor-o-Novo, onde fundou o periódico O Círculo (1934), envolvendo-se nos circuitos culturais e sociais de oposição ao Estado Novo. Encontram-se publicados o já citado ensaio Civilização Hindu (1935) e o livro póstumo de poesias O Livro da Vida: cânticos indianos (1940), o qual contém um poema em língua concani, “Bekaryanc”.

Bibl: DEVI&SEABRA (1971); COSTA (2000); SANTOS (2000); LOBO (2009).

D. S.

Referências bibliográficas completas

COSTA, Orlando da (2000), “Indianidade, Solidariedade, Liberdade” in Civilização Hindu seguido de O Livro da Vida, Lisboa, Hugin, pp. 5-10.

DEVI, Vimala. SEABRA, Manuel de (1971), A Literatura Indo-Portuguesa, Lisboa, Junta das Investigações do Ultramar.

LOBO, Sandra Ataíde (2009), “Índia Nova: nacionalismo e cosmopolistismo num jornal académico”. Cultura. Revista de História e Teoria das Ideias, 26, pp. 231-258.SANTOS, Elsa Rodrigues dos (2000), “Alguns Dados Biográficos” in Civilização Hindu seguido de O Livro da Vida, Lisboa, Hugin, pp. 11-17.

António Borges Coelho

Coelho, António Borges (1928, Murça, Portugal) entra na Faculdade de Letras, em Lisboa, em 1949, no curso superior de Histórico-Filosóficas, onde inicia também a sua actividade política contra a ditadura do Estado Novo, no Movimento de Unidade Democrática Juvenil, do qual se tornará dirigente. Enquanto funcionário do Partido Comunista Português, é preso em 1956, sendo libertado em 1962.

Termina a licenciatura em 1967, com a tese Leibniz: o homem, a teoria da      ciência. A influência marxista pautou a forma como escreve sobre história social, bem como a escola dos Annales, caracterizada pelas suas abordagens sociológicas e interdisciplinares (Lucas e Rocha 2018). Logo após a sua saída da prisão publica Raízes da Expansão Portuguesa (1964) e A Revolução de 1383 (1965). A primeira foi censurada, considerando-se que colocava em causa a iniciativa nacional da epopeia da expansão portuguesa.

Contestando a narrativa tradicional da historiografia portuguesa, Borges Coelho escreve Portugal na Espanha Árabe, obra que lhe dá maior destaque no âmbito dos estudos árabes e islâmicos e, mais especificamente, sobre a história do Gharb al-Andalus (ocidente do al-Andalus), no qual se insere o passado islâmico do actual território português, ignorado e até negado pela então memória nacional-católica do Estado Novo. De acordo com Borges Coelho, exceptuando o historiador Alexandre Herculano, os vestígios do passado islâmico não tinham lugar na história de Portugal (P. Barros 2010, 51).

Portugal na Espanha Árabe publica-se em quatro volumes, entre 1972 e 1975, repensando a narrativa e memória nacionalista da Reconquista, de identidade exclusivamente cristã. Obras como a História Luso-Árabe. Episódios e figuras meridionais (1945) do arabista José Domingo Garcia Domingues já haviam sido publicadas anteriormente com o intuito de divulgar e reivindicar, dentro e fora da academia, o passado islâmico do território português. Porém, Portugal na Espanha Árabe terá um maior impacto, por colocar o passado islâmico no mapa da história medieval portuguesa, campo que dialogava pouco com os estudos árabes histórico-filológicos, incipientes no país. Portugal na Espanha Árabe é também de carácter divulgativo, reunindo excertos e relatos de fontes árabes, que o autor recolhe a partir de traduções espanholas e francesas, traduzindo-os para português e comentando passagens seleccionadas sobre os territórios que mais tarde se tornarão Portugal.

O título da obra manifesta uma reacção do autor que parece insurgir-se contra a usurpação ou sequestro do al-Andalus enquanto identidade exclusivamente espanhola – a “Espanha árabe” ou a “Espanha muçulmana” (Marín 2014), uma “espanholização” que resultava no completo esquecimento da existência de Portugal no território peninsular (García Sanjuán 2012, 85). Consequentemente, a exclusão de Portugal na construção da memória do al-Andalus por uma corrente historiográfica espanhola provocou a elaboração de conceitos igualmente anacrónicos, como “Portugal islâmico”,      ou a identificação de Gharb al-Andalus como sinónimo do Portugal contemporâneo, visões presentes na obra de Borges Coelho que protagonizam um novo sequestro historiográfico. Na historiografia portuguesa, a associação subentendida entre Gharb al-Andalus e Portugal, fruto da ligação etimológica entre Gharb e Algarve, resulta muitas vezes em indentificações erróneas (García Sanjuán 2009, 4-5) e imprecisões que não acompanham a renovação historiográfica sobre o al-Andalus que começou a ocorrer a partir dos anos      70, como, por exemplo, com a obra de Pierre Guichard sobre as sociedades islâmicas do al-Andalus (Guichard 1972, 1976). ,

A obra, ao pretender distanciar-se dos “olhos dos ideológicos de cruzada” (Borges Coelho 2008, 12-13) e integrar a história do Gharb al-Andalus na memória histórica, acaba também por reclamá-la quase como uma identidade proto-nacional (Cardoso, a publicar). Portugal na Espanha Árabe marcou uma geração de intelectuais e historiadores em Portugal e a sua reedição em 2008 reflecte que continua a ser uma obra de referência para a história do al-Andalus, um campo de estudos que sempre esteve marcado no país pela descontinuidade (F. Barros 2014, 36).

A preocupação com o estudo do dominado revela-se também na investigação  das minorias e cristãos novos, que dará origem à sua tese de doutoramento A Inquisição de Évora. Dos primórdios a 1668 (Universidade de Lisboa, 1986).

Após a revolução de 25 de Abril de 1974, numa assembleia de estudantes, António Borges Coelho é eleito professor auxiliar convidado da Faculdade de Letras, onde continuará a desenvolver o seu trabalho de investigação, dando também aulas de      História Moderna, até à sua jubilação em 1998, após tornar-se professor catedrático em 1993. Em 2018 foi-lhe atribuído o Prémio Universidade de Lisboa, tendo recebido também anteriormente o Prémio da Fundação Internacional Racionalista. Foi agraciado com a Grã-Cruz da Ordem da Liberdade pelo Presidente da República Marcelo Rebelo de Sousa, tendo sido previamente condecorado com a Grã-Cruz da Ordem Militar de Sant’Iago da Espada.

Borges Coelho continua actualmente a sua actividade científica, escrevendo a sua História de Portugal, que já conta com seis volumes. Para além da sua obra historiográfica, é também autor de poesia, encontrando-se a preparar uma antologia, bem como de peças de teatro, como Youkali é o País dos Nossos Desejos (2005).

E.C.

Referências bibliográficas

Barros, Maria Filomena Lopes de. 2014. “From the history of Muslims to Muslims in History: Some critical notes on ‘Arab-Islamic Studies’ in Portugal.” Hamsa. Journal of Judaic and Islamic Studies [H-REJI], 1, 29-40.

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Borges Coelho, António. 2008. Portugal na Espanha Árabe. Lisboa: Caminho.  

Cardoso, Elsa. A publicar. “Portugal e o Gharb al-Andalus entre historiografia, ideologia e nacionalismo: José Garcia Domingues e António Borges Coelho.” Em A história na era da (des)informação, editado por Marília dos Santos Lopes e Fernando Ilharco. Lisboa: Universidade Católica Portuguesa.

Domingues, José Domingos Garcia. 1945. História luso-árabe: Episódios e figuras meridionais. Lisboa: Pro domo.

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García Sanjuán, Alejandro. 2009. La caracterización geográfica del Garb al-Andalus en las fuentes árabes medievales. Medievalista(6): 1-20.

Guichard, Pierre. 1976. Al-Andalus. Estructura antropológica de uma sociedad islámica en Occidente. Barcelona: Barral Editores.

Guichard. Pierre. 1972. Tribus árabes et berberes dans al-Andalus, Tese de doutoramento, Universidade de Lyon 2.

Lucas, Isabel (texto) e Rocha, Daniel (fotografia). 2018. “‘Uma anedota de país esteve na vanguarda do planeta. O museu dos Descobrimentos é essencial’, entrevista a António Borges Coelho.” Público, 16 Dezembro 2018.

Macias, Santiago. 2003. “Entrevista a António Borges Coelho.” Em Historiador em discurso directo: António Borges Coelho. Mértola: Câmara Municipal de Mértola.

[Madeira 2010a] Madeira, João. 2010. “António Borges Coelho, militante, historiador, homem de causas e utopias.” Em António Borges Coelho. Procurar a luz para ver as sombras, coordenado por David Santos, 11-45. Vila Franca de Xira: Museu do Neo-Realismo.

[Madeira 2010b] Madeira, João. 2010. “Coelho, António Borges.” Em Dicionário de Historiadores Portugueses. Da Academia Real das Ciências ao final do Estado Novo, coordenado por Sérgio Campos Matos. Centro de História da Universidade de Lisboa.

Marín, Manuela. 2014. “Reflexiones sobre el arabismo español: tradiciones, renovaciones y secuestros.” Hamsa. Journal of Judaic and Islamic Studies [H-REJI], 1, 1-17.

Mattoso, José. 2008. “Homenagem a António Borges Coelho. Mértola, 17 de Maio 2007.” Medievalista, ano 4, n.º 4, 1-5.

Cristina Costa Gomes [C.C.G.]

Cristina Costa Gomes é Doutorada em História Moderna pela Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa (2008). É Investigadora do Centro de Estudos Clássicos (Universidade de Lisboa). É ainda Paleógrafa e Docente na Escola Superior de Artes Decorativas da Fundação Ricardo do Espírito Santo Silva (desde 1998), onde coordena actualmente a Licenciatura de Artes Decorativas. Tem trabalhado nas áreas de Renascimento e Humanismo em Portugal e das relações interculturais entre a Europa e a China.

Eduardo Dias

DIAS, Eduardo (1888, Lisboa – 1949, Lisboa), homem de negócios, jornalista, escritor e orientalista amador.

Viveu muitos anos no Rio de Janeiro, sendo secretário do Banco Português do Brasil (1918) e, mais tarde director (1924). Nesta cidade, fundou e dirigiu a Obra de Assistência aos Portugueses Desamparados. Foi orador convidado nas recepções oferecidas aos aviadores Gago Coutinho e Sacadura Cabral (1922) e na recepção, no Real Gabinete Português de Leitura, ao Presidente da República Portuguesa, António José de Almeida (1924).

Interessado pelas civilizações orientais, empreendeu, com esse intuito, várias viagens, pela Europa e grande parte da América, assim como na antiga Índia Ocidental Holandesa e no Oriente Médio. Esse interesse materializou-se numa prolífica produção literária, abordando temas variados, desde história, literatura árabe e questões contemporâneas do mundo islâmico.

À história e cultura árabes dedicou: Árabes e Muçulmanos: As Leis e as Hostes de Mafoma (Vol. 1), (1940); Árabes e Muçulmanos: A Invasão da Hispânia e o aspecto cultural do Islamismo (Vol. 2), (1940) e Árabes e Muçulmanos: Greis Sarracenas e o Islão Contemporâneo (Vol. 3), (1940) e O Islão na India (1942), publicando ainda um artigo “Um Problema: O Islamismo e a sua Penetração na África Negra” (1946).

Não escritas por um académico, as suas publicações tiveram o mérito de divulgar junto do público português e em língua portuguesa, a problemática, principalmente conhecida através de publicações estrangeiras. O último estudo (1946), o mais original, abordou as questões de actualidade, chamando atenção para a ameaça islâmica representada pela sua doutrina de jihad (p. 239).

Do seu interesse pela literatura árabe resultou a publicação de uma tradução de uma antologia dos contos de Mil e uma Noites, em 6 volumes (1943-1944). No “Prefácio” Eduardo Dias assumiu-se como tradutor e, simultaneamente, como censor, referindo que o processo de tradução teve como objectivo mostrar “em forma acessível ao gosto europeu, a mais atraente substância de As Mil e Uma Noites” adequado “ao gosto e moralidade dos seus leitores”. Seguiram-se Antar o Cavaleiro-Mor: Romance Epopeia da velha Arábia (1941); O Coelho Matreiro: Fábulas Orientais (1941); Harém: Contos e Ditos Muçulmanos (1942) e O Anel Mágico e outros contos (1943).

Além disso, foi autor de um livro de viagens: Cores do Mundo (1936 e 2ª ed. 1937), a sua estreia como escritor, em que consignou as suas impressões da viagem pelo Mediterrâneo, descrevendo a Síria, o Líbano e o Egipto. Escreveu ainda sobre presença portuguesa no Brasil e na Índia: Memórias de Forasteiros: Aquém e Além-Mar: Portugal, África e Índia séculos XII-XVI (1945), (Vol. 1), (em co-autoria com o escritor Rodrigues Cavalheiro); Memórias de Forasteiros: Aquém e Além-Mar: Brasil séculos XVI-XVIII (1945), (Vol. 2); Memórias de Forasteiros: Aquém e Além-Mar: Brasil século XIX (1946), (Vol. 3) e ainda A Terra de Vera Cruz na Era de Quinhentos (1949).

Manteve contactos com vários intelectuais portugueses e brasileiros, entre outros, com o filólogo e arabista português, José Pedro Machado. Foi agraciado com o grau de Cavaleiro da Ordem de Cristo (1924) pelo então Presidente da República Portuguesa.

E-M.v.K

Bibl.: Portugal (1924), Revista quinzenal ilustrada, de 15 de Fevereiro, Ano I, nº 13, p. XLIII, Rio de Janeiro; Grande Enciclopédia Portuguesa e Brasileira (1936-1960), Vol. VIII, p. 933; Enciclopédia Luso-Brasileira de Cultura (s/d), vol. VI, p. 1294; GARCIA DOMINGUES, J. D. (1959), pp. 23, 29-30; GOMES, J. P.(1991), p. 345; HERTEL, P. (2012), p. 134; “Eduardo Dias faleceu esta madrugada”, Diário de Lisboa, 8 de Outubro de 1949, p. 11; “Necrologia – Eduardo Dias”, Diário Popular, 8 de Outubro de 1949, p. 5.